Título: Muito abacaxi para descascar
Autor: Daniel Pereira, Karla Correia e Paulo de Tarso
Fonte: Jornal do Brasil, 22/03/2005, País, p. A3

Novos ministros terão de enfrentar desafios e problemas que aumentarão quando o período eleitoral estiver mais próximo

Interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não escondem que a reforma ministerial a ser anunciada destina-se a rearticular a base de apoio ao governo no Congresso e garantir uma ampla aliança para pavimentar a sua reeleição em 2006. Desde o ano passado, os nomes de possíveis ministros entram e saem da mesa de negociação conforme a respectiva capacidade para contribuir com o chamado governo de coalizão. Que o diga a senadora Roseana Sarney, cogitada para seis pastas. Já os candidatos técnicos estão em segundo plano. Tal desenho de reforma alimenta o discurso da oposição segundo o qual a suposta ineficiência administrativa do governo será acentuada. Além disso, preocupa cientistas políticos, como o professor da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer. Para ele, há a possibilidade de ministros com aspirações eleitorais não enfrentarem problemas com receio do impacto das medidas nas urnas.

- Esse é um risco - declara Fleischer.

Os desafios dos ministérios estão longe de serem simples. Cidades, por exemplo, tem a missão de implantar o regulamentação do saneamento básico, considerada fundamental para atrair investimentos ao setor e e tornar viável a universalização dos serviços. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2000, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no país 45 milhões de pessoas sem rede de abastecimento de água e 82 milhões sem rede de esgoto.

Para que todos sejam atendidos, é preciso investir R$ 178 bilhões em 20 anos, ou R$ 8,9 bilhões a cada ano, segundo dados oficiais. Os cofres públicos não dão conta da empreitada sozinhos, como demonstram os números. União, unidades da federação e municípios investiram juntos, em 2003 e 2004, apenas R$ 9 bilhões, ante uma carência de R$ 17,8 bilhões, conforme o diretor de Articulação Institucional da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Sérgio Gonçalves.

O governo federal conta com os recursos privados para fechar a conta, mas eles estão condicionados, em boa parte, à definição de regras claras para o setor. Discutido desde o início do atual governo, o projeto que trata da regulamentação chegou à Casa Civil apenas há uma semana. Ainda tem de passar pelo crivo dos ministérios da Fazenda e do Planejamento e, quando enviado ao Congresso, enfrentar a pressão de diversos setores envolvidos com o tema.

Caso dos governadores, que não concordam com a regra do projeto que garante a titularidade dos serviços aos municípios. Tanto no debate dentro do Planalto como no Legislativo, o titular das Cidades será peça-chave para a definição e implantação do marco regulatório. Outro ministério que conta com o dinheiro da iniciativa privada é o Planejamento. A pasta selecionou 23 projetos que estão no Plano Plurianual, orçados em R$ 13 bilhões, para avaliar a possibilidade de tirá-los do papel por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Para tanto, é preciso regulamentar a PPPs, que foram eleitas pela equipe econômica do presidente Lula como o principal mecanismo de atração de investimentos privados para infra-estrutura, área que sem aporte de recursos pode prejudicar o crescimento da economia brasileira. O Ministério da Previdência Social também tem ao menos um desafio bilionário. Trata-se da redução do déficit em suas contas, que foi de R$ 32,7 bilhões em 2004 e pode chegar a R$ 40 bilhões neste ano.

Mudanças constitucionais estão, pelo menos por enquanto, descartadas, pois já foram adotadas em 2003. Entre elas, a cobrança de contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas, taxação combatida pelo PT durante os anos de oposição.

Resta o choque de gestão, que pode ocorrer em duas frentes distintas. Um é o combate às fraudes. Sem aprimorar o trabalho de inteligência e a parceria com outros órgãos técnicos, como a Polícia Federal e o Ministério Público, fica difícil obter avanços, como reconhece o secretário da Receita Previdenciária, José Roberto Pimentel.

Outro foco de atuação é a cobrança dos devedores da Previdência, sobretudo os de maior porte. Conforme dados oficiais, o governo tem mais de R$ 100 bilhões a receber. A quantia não foi suficiente para garantir a aprovação pelo Congresso, em 2004, da penhora de faturamento, tida como arma eficaz na execução de empresas em falta com suas obrigações previdenciárias.

- A questão política não resolve os imbróglios da máquina - afirma o líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO).