Correio Braziliense, n. 21209, 19/06/2021. Política, p. 2

14 suspeitos, e contando...
19/06/2021



O relatório preliminar da CPI da Covid ficou apenas na promessa, mas as investigações feitas até agora permitiram a senadores apontar quem são as figuras que saem da posição de testemunhas para a de investigados, mesmo sem a análise das quebras de sigilo. Ontem, a cúpula da comissão divulgou uma lista de 14 pessoas contra as quais o colegiado tem provas ou indícios de crimes, entre os quais os ex-ministros Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo e o atual titular do Ministério da Saúde, Marcelo Queiroga. A relação, porém, pode aumentar. O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que aguarda um posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) para saber se o colegiado terá poder de investigar, também, o presidente Jair Bolsonaro.

O anúncio dos investigados ocorreu no momento em que era realizada a sessão para ouvir defensores do chamado "tratamento precoce" contra a covid-19 — o que, de acordo com a ciência, não existe. Foi a estratégia usada pelo G7 — grupo de senadores de oposição ou independentes — para esvaziar a sessão com os negacionistas (leia na página ao lado).

"Esta CPI já produziu inquéritos e resultados, e destacamos o avanço no calendário da vacinação. Mostramos que o governo sempre recusou as vacinas e tentou colocar em seu lugar o tratamento precoce e a utilização da cloroquina, ivermectina, zinco e outros produtos com comprovada ineficácia", ressaltou Calheiros.

Ele justificou que contra os investigados já existem provas e indícios suficientes para promover a reclassificação e "mudar o patamar da própria investigação", um movimento positivo para a CPI, mas também "para a segurança jurídica dos próprios investigados, que passam a ter direito a informações e acesso às provas e aos indícios".

Não houve consenso no colegiado, entretanto, sobre incluir Queiroga entre os investigados, porém Calheiros argumentou que os depoimentos do ministro da Saúde foram "pífios e ridículos". De acordo com o parlamentar, o gestor faltou com a verdade, inclusive sobre ter a autonomia que seus antecessores, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, não conseguiram. "Os fatos demonstraram o contrário. Enquanto ele defendia a vacinação, o presidente (Bolsonaro) afirmava que reduziria o uso de máscaras", frisou. "O lote de vacinas encomendado por ele saiu 20% mais caro do que os anteriores. E, em abril agora, ele levou um puxão de orelha do diretor-presidente da OMS (Organização Mundial da Saúde) ao cobrar maior agilidade na entrega das vacinas."

Conforme os documentos recebidos pela CPI, o diretor-presidente da OMS, Tedros Adhanom, teria dito que o Brasil recusou doses suficientes para imunizar até 50% da população, preferindo ficar com apenas 10% para, posteriormente, cobrar agilidade. "Ele disse que estamos vivendo uma situação terrível de mercado e não dá mais para ajudar, como naquela oportunidade. O ministro, então, aproveitou a conversa para defender o tratamento precoce e a prescrição de cloroquina e mentiu dizendo que o tratamento teve eficácia de 70%", contou o relator.

Ontem, no Rio de Janeiro, Queiroga comentou a decisão da CPI. "Não estou interessado nesse assunto, estou interessado em vacinar a população. A população está vendo o que eu estou fazendo", afirmou. Ele se disse com "tranquilidade absoluta".

Depoimentos
Além de Queiroga, mais da metade dos investigados chegou a comparecer à CPI na condição de testemunha ou convidado. A reclassificação tardia foi uma estratégia de trabalho, como admitiu Calheiros. "Quando decidimos não investigar ninguém no começo dos trabalhos, foi exatamente para facilitar o depoimento dessas pessoas", disse. Isso porque, como investigados, os alvos poderiam conseguir, no STF, o direito de permanecer em silêncio para não produzir provas contra si mesmos. "Tomamos como critério para a definição da relação o fato de já terem prestado depoimento", justificou.

Na lista de investigados que não prestaram depoimento estão o ex-assessor especial da Presidência da República Arthur Weintraub; a coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI), Francieli Fantinato; o virologista Paolo Zanotto; o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde, Hélio Angotti; e o anestesista Luciano Azevedo.
O empresário Carlos Wizard, apontado como um dos idealizadores do chamado gabinete paralelo, foi convocado, mas não compareceu à CPI. Nem mesmo a Polícia Federal conseguiu localizá-lo. Ontem, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, autorizou a condução coercitiva do empresário. A Justiça Federal, por sua vez, determinou a retenção do passaporte dele após o retorno dos Estados Unidos.

Redes sociais
Outra novidade anunciada ontem é que os representantes de redes sociais como Facebook e YouTube vão engrossar a lista de depoentes da CPI. Senadores lembraram que, nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump foi banido do espaço virtual por desrespeito à democracia no país. Os parlamentares destacaram que Bolsonaro não atenta apenas contra a democracia, mas contra a ciência e a vida. Eles se referiram à live mais recente do presidente, na qual ele disse que quem já contraiu covid-19 está mais imune do que o vacinado.

Para Humberto Costa (PT-PE), a afirmação foi uma confissão de culpa. "O presidente fez uma declaração formal de culpa. A hipótese que a CPI tem trabalhado é de que o governo, deliberadamente, adotou uma estratégia de permitir a transmissão massiva do vírus para gerar imunidade coletiva por transmissão. Isso já foi dito de maneira velada, mas, dessa vez, Bolsonaro disse claramente", ressaltou. "Essas redes sociais têm a obrigação de, em situações como essa, fazer a devida retirada do conteúdo falso que induz as pessoas a um comportamento inadequado", enfatizou.