Título: A direita é insaciável
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 22/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

Em uma e em outra batalha, a timidez, para não dizer covardia, marca a resposta do governo Lula. Não ganha o afeto adversário e perde no seu próprio campo.

Jornalista

Lula pode ceder em tudo. Pode desmontar a Seguridade Social. Pode aprovar a Lei de Falências dos banqueiros. Pode legalizar o crime organizado da evasão de divisas e do plantio da soja transgênica. Pode fazer de Henrique Meirelles, Furlan e Roberto Rodrigues ministros intocáveis. Pode passar apenas algumas horas no Fórum Mundial Social para dali usufruir uma estadia de três dias no Fórum Econômico de Davos.

Simples de compreender. O grande capital é capaz de muita concessão para alcançar seus objetivos materiais táticos. Mas não abdica, estrategicamente, de seus preconceitos de classe.

Portanto, que se cubram os defensores da guinada doutrinária do PT: por mais que o partido se apresente como fiel executor dos paradigmas recessivos que FMI e assemelhados impõem, em parceria com seus acólitos tupiniquins, só será admitido pelo andar de cima até que a dobradinha PSDB-PFL encontre um nome alternativo. E enquanto seu lobo não vem, as manobras desestabilizadoras vão se suceder.

O sururu armado por parlamentares conservadores a propósito de supostas relações mercantis entre a campanha presidencial de Lula, em 2002, e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia é o sinal mais recente. As reações contra a MP 232 foram o anterior. E mais facilitadas serão as iniciativas, quanto mais se evidenciarem as rachaduras no edifício de sustentação social histórica das campanhas de Lula. Rachaduras, aliás, que vêm se explicitando cada vez mais. Principalmente quando se revela evidente não haver nenhum caráter de transitoriedade na manutenção, em nome da ''governabilidade'', dos privilégios dos que se beneficiaram do mandarinato neoliberal de FHC.

Neste fim de semana, por exemplo, nem nas comemorações oficiais dos 25 anos, o PT esteve unido. As direções de suas tendências internas de esquerda participaram, para protestar. Ao mesmo tempo em que, em São Paulo, uma parte importante da bancada na Câmara dos Deputados, em contestação mais radical, realizava seminário.

Neste contexto, a desestabilização de direita se anima. E é aí que entram os dois exemplos citados.

Vamos às Farc, para começar. Por acaso o PT se submete aos paradigmas que determinam quem é do bem e quem é do mal, a partir da doutrina Bush? Sobre o narcotráfico, na Colômbia, a primeira notícia a respeito eu tive em Londres, no início dos anos 80. Como correspondente no exterior, cobria a Conferência Internacional do Café. E uma das primeiras dúvidas que me surgiram foi exatamente sobre a facilidade colombiana de nos derrubar no preço internacional do produto, sem perder na qualidade. A explicação veio do diplomata brasileiro na Conferência: ''Um terço das terras para o café; dois terços para a coca do tráfico''. Ou seja; não era a guerrilha, que já ia avançada no processo revolucionário, mas os ruralistas de lá, os grandes latifundiários colombianos que, pelo café, camuflavam as operações dos cartéis de Cali e Medelin.

Excomungar as Farc, hoje, mesmo discordando de alguns de seus métodos, só revela falta de coerência. É esquecer que, no Brasil, contra a ditadura, mesmo em desacordo, e até contestando o caminho de resistência escolhido, ninguém desqualificou os seqüestros de embaixadores que liberaram nossos presos políticos, em operações financiadas pela ''expropriação'' de recursos bancários.

Quanto à MP 232, é evidente a sua injustiça. Mas não pelas razões que vêm sendo apregoadas pelo patronato. Ela é injusta porque corrige de forma conservadora a absurda falta de progressividade na nossa política tributária. É claro que autônomos, como pessoa jurídica, terminam favorecidos, em relação aos assalariados. Mas a verdadeira correção da falta de progressividade tributária não está aí. Está no lucro do capital, principalmente o financeiro, hoje espaço de inaceitáveis isenções.

Em uma e em outra batalha, a timidez, para não dizer covardia, marca a resposta do governo Lula. E quando vacila, reforça a contradição. Não ganha o afeto adversário e perde no seu próprio campo. Estimulando a desestabilização.