Correio Braziliense, n. 21210, 20/06/2021. Artigos, p. 11

A face do negacionismo: meio milhão de mortes
Ana Dubeux
20/06/2021



Pare por aqui se você é daqueles que acham que quem fala sobre as mortes na pandemia está comemorando. Pare por aqui se você continua achando que o vírus é uma bobagem, que o uso de máscaras e o distanciamento são paranoias. Pare por aqui se você, por alguma razão, sustenta para si ou para o outro a narrativa negacionista. Pare, mas, se ainda tem um pouco de humanidade aí no seu coração, não pare por aqui. Pare apenas de pôr lenha na fogueira que mantém o fogo da morte alto e sem controle.

Nunca foi marola; nunca foi uma gripezinha. Sempre foi um vírus mortal, extremamente contagioso. Capaz de concorrer apenas com a grande epidemia da desinformação, das fake news, da omissão, da postura criminosa dos homens do poder. O coronavírus matou desde o início, arruinou famílias inteiras, sepultou negócios, colapsou o serviço público de saúde, mostrou novamente a face tenebrosa da fome, levou ao desemprego e à depressão. Hoje, impõe sua marca mais triste: 500 mil mortos. E não parou. Uma terceira onda se agiganta bem na nossa frente. Não dá para ficar na superfície.

Se, para você, meio milhão de vidas perdidas é uma estatística que merece o esquecimento, porque está entendiado e não quer mais ouvir falar sobre pandemia, eu digo que o problema está com você, com sua falta de humanidade e empatia com os demais seres humanos. A quantas e quantas histórias tristes ainda vamos assistir e partilhar? Você não se comove, não se move, não se indigna, não chora, não teme por sua vida e a de seus?

Eu sinto dizer: pode ter algo muito errado com quem não se une a este luto coletivo. Não é normal nem humano dar as mãos à claque negacionista que reverbera um discurso de morte. Não é aceitável desfilar sem máscara e agredir quem cobra o uso da proteção. Não é normal ignorar o fato de que todos os dias morrem mil, 2 mil, 3 mil pessoas por uma doença contra qual já tem vacina, algo que o governo federal simplesmente ignorou por muito tempo. Diga-se de passagem: ao atrasar o cronograma vacinal da população brasileira, comete-se crime contra a vida humana. Ficará impune?

É grotesco e nojento comemorar mortes, tripudiar em cima dos corpos enterrados, ignorar o legítimo sentimento de luto intermitente que vivemos desde o início dessa imensa tragédia sanitária.