Correio Braziliense, n. 21220, 30/06/2021. Política, p. 2

Governo abalado por denúncias de propina
Ingrid Soares
30/06/2021



Ministério da Saúde anuncia a demissão do servidor Roberto Dias, acusado por representante de uma empresa de vacinas de exigir pagamento ilegal por contrato de imunizante. Deputado Luis Miranda teria recebido "oferta milionária" para não atrapalhar compra da Covaxin

O Ministério da Saúde anunciou, ontem, a exoneração de Roberto Dias do cargo de diretor de Logística da pasta. A decisão deve ser publicada, hoje, no Diário Oficial da União. A saída do funcionário ocorre após o escândalo de propina noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo. Segundo a publicação, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa de vacinas Davati Medical Supply, relatou ter recebido pedido, de Dias, de propina de US$ 1 por dose em troca de contrato com o Ministério da Saúde.

A Davati Medical Supply tentava vender 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca a US$ 3,5 cada dose (o valor passou, depois, para US$ 15,5). De acordo com Dominguetti, Dias teria afirmado que a negociação "não avançava dentro do ministério se a gente não compusesse com o grupo, que existe um grupo que só trabalhava dentro do ministério". "Se a gente conseguisse algo a mais, tinha de majorar o valor da vacina, que a vacina teria de ter um valor diferente do que a gente estava propondo", frisou o representante da Davati Medical Supply. "Aí eu falei que não tinha como, não fazia, mesmo porque a vacina vinha lá de fora e que eles não faziam, não operavam daquela forma. Ele me disse: 'Pensa direitinho, se você quiser vender vacina no ministério, tem que ser dessa forma'."

Questionado sobre qual seria a "forma", Dias teria apontado: "Acrescentar US$ 1". "Dariam 200 milhões de doses de propina que eles queriam, com R$ 1 bilhão", frisou. Segundo o representante das vacinas, o jantar da "propina" aconteceu em 25 de fevereiro, num shopping de Brasília. Ele disse ter considerado a situação ainda mais estranha porque havia mais duas pessoas com Dias. "Era um militar do Exército e um empresário lá de Brasília", contou.

Roberto Ferreira Dias teria sido indicado ao cargo pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e a nomeação ocorreu em 8 de janeiro de 2019. O parlamentar nega.

A CPI da Covid pretende ouvir Luiz Paulo Dominguetti Pereira na sexta-feira. "Brasileiros morrendo de covid, e bandidos atrás de vantagens ilícitas. Precisamos apurar tudo", afirmou, nas redes sociais, o senador Alessandro Vieira (cidadania-SE), integrante da CPI. O senador Omar Aziz, presidente da CPI, também comentou o assunto, caracterizando como "uma denúncia forte".

À GloboNews, Roberto Dias se disse alvo de retaliação por ter cobrado de Dominguetti que comprovasse representar a AstraZeneca, o que, segundo o diretor, nunca aconteceu.

Mais suspeitas
Em outro capítulo sobre a Covaxin, Luis Miranda teria recebido oferta de propina "milionária" para não atrapalhar a compra do imunizante, após ter se reunido com Bolsonaro para alertá-lo sobre irregularidades no contrato. A informação é da Revista Crusoé.

Conforme a publicação, houve dois encontros em que valores e a garantia de reeleição foram oferecidos ao parlamentar. Em uma das reuniões, Ricardo Barros estava presente.

Ainda de acordo com a revista, a primeira proposta ocorreu numa reunião numa casa no Lago Sul, em 31 de março. Miranda foi convidado a participar do encontro por um lobista de Brasília para discutir a negociação da vacina indiana. A reunião foi feita com Silvio Assis, homem de confiança de Barros.

No encontro, Assis tentou fazer de Miranda um aliado e ainda pediu que o parlamentar convencesse o irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, a "parar de criar embaraços para o negócio", que os dois seriam recompensados pela contribuição. A conversa não avançou.

Segundo a Crusoé, um mês depois, em maio, uma nova reunião foi feita, no mesmo local. Dessa vez, Assis estava acompanhado de Barros. Assis teria prometido a Miranda uma participação na venda de cada dose ao Ministério da Saúde, de seis centavos de dólar. Caso o governo concluísse a compra de 20 milhões de doses da Covaxin, o deputado levaria US$ 1,2 milhão (R$ 6 milhões).

Miranda teria se recusado a participar do esquema e, de acordo com fontes da revista, teria chegado a ameaçar dar voz de prisão a Assis. À Crusoé, o parlamentar afirmou que não vai falar sobre a denúncia. Já o lobista Assis confirmou a presença de Miranda na casa, mas negou que o tema dos encontros fosse a compra das vacinas. Barros voltou a negar participação em negociações da Coxaxin.

"Rolo"
O deputado Ricardo Barros já tem o nome envolvido em outra investigação: sobre o contrato de compra da vacina Covaxin. O deputado Luis Miranda disse ter relatado ao presidente Jair Bolsonaro as suspeitas de ilegalidade na negociação do imunizante indiano. O chefe do Planalto teria dito, então, que devia ser "mais um rolo" de Barros. O líder do governo na Câmara nega ter participação nas tratativas do contrato.