Correio Braziliense, n. 21221, 01/07/2021. Política, p. 2

Contrato da Covaxin vira caso de polícia
Renato Souza
01/04/2021



A PF instaurou inquérito para apurar denúncias de corrupção na aquisição da vacina pelo Ministério da Saúde. O Ministério Público Federal e a Procuradoria da República no Distrito Federal também ordenam a abertura de investigação criminal

O Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal abriram investigação sobre o contrato de compra da vacina indiana Covaxin, intermediado pela empresa Precisa Medicamentos e assinado em 25 de fevereiro. O negócio já é alvo de apuração na CPI da Covid.

No âmbito do MPF, as diligências correm na Procuradoria da República no Distrito Federal, por determinação do procurador Paulo José Rocha Júnior, que atendeu a pedido da procuradora Luciana Loureiro. O que era uma apuração preliminar, virou investigação criminal.

A Precisa intermediou a compra de 20 milhões de doses da Covaxin ao custo de R$ 1,6 bilhão — cada unidade foi negociada a US$ 15, a mais cara entre as vacinas compradas pelo governo. O contrato foi suspenso, na terça-feira, pelo Ministério da Saúde. Para a procuradora Luciana Loureiro, nada justifica as graves fraudes, se comprovadas, "a não ser atender a interesses divorciados do interesse público". Ela disse, ainda, que não se justificaria "a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação".

Na Polícia Federal, foi aberto um inquérito para investigar as suspeitas de irregularidades. Serão analisadas a conduta do Ministério da Saúde e da Precisa e os contratos, preços e eventual pagamento de propina que tenha como objetivo beneficiar entes públicos e privados.
As suspeitas de fraudes foram relatadas à Procuradoria da República do Distrito Federal pelo servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística da pasta. Ele contou ter sofrido "pressões atípicas" de interlocutores do governo para autorizar a importação da Covaxin.

Chamado a depor na CPI da Covid, assim como o irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), o servidor repetiu que tinha sido pressionado a agilizar a compra. Ele e o parlamentar também disseram à comissão que informaram ao presidente Jair Bolsonaro sobre irregularidades no contrato. Conforme afirmaram os dois, o chefe do Planalto disse que se tratava de "mais um rolo" do deputado Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde e atual líder do governo na Câmara. O presidente teria se comprometido a acionar a Polícia Federal para investigar o caso — o que só fez na semana passada, após o escândalo estourar.

Na última segunda-feira, senadores protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra Bolsonaro por prevaricação, justamente por ter deixado de tomar providências quando foi avisado as supostas ilegalidades na negociação do imunizante. A suspensão do contrato da Covaxin, por parte do Ministério da Saúde, ocorreu após essa denúncia feita pelos parlamentares à Corte.

Suspeitas

Além da pressão, os Miranda apontaram, na CPI da Covid, inconsistências nas invoices (espécie de nota fiscal internacional) enviadas pela Precisa, como a inclusão da modalidade de pagamento antecipado. O contrato do governo para adquirir a Covaxin também levantou suspeitas de senadores por ter sido o único firmado por meio de uma empresa intermediária. Todos os outros foram negociados diretamente com laboratório fabricantes ou que produzirão os imunizantes no país. A Precisa Medicamentos não atuava até então no ramo de vacinas.

Pressionado, Bolsonaro disse que desconhecia os detalhes sobre a compra da Covaxin e negou irregularidades no negócio. A versão do Planalto é a de que o Ministério da Saúde abriu um procedimento administrativo interno, mas não encontrou evidências de desvios.
O empresário Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, deveria depor hoje na CPI da Covid, mas a oitiva foi remarcada. Ele teve os sigilos quebrados pela comissão.