Título: Democracia racial ainda é mito
Autor: Melissa Medeiros
Fonte: Jornal do Brasil, 21/03/2005, Brasília, p. D3

No Dia Internacional contra o Racismo, dados do IBGE apontam para um longo caminho a percorrer em busca da igualdade

Há exatos 45 anos - 21 de março de 1960 - 20 mil negros protestaram, na África do Sul, contra uma lei que os obrigava a portar cartões de identificação, especificando os locais por onde eles poderiam circular. Durante a manifestação, o exército atirou sobre a multidão, deixando 69 mortos e 186 feridos. Por causa desse fato, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a data de 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. As comemorações previstas para hoje objetivam aumentar a reflexão sobre a importância do combate ao racismo, à xenofobia e a todas as formas de intolerância aos negros. Segundo o diretor-geral da Unesco, Koichiro Matssura, é preciso acabar com as práticas de ''limpeza étnica'' e racismo e com a corrente de estigmatização de minorias que ainda fazem parte da vida diária. Para ele, deve-se prevenir e combater essas manifestações fazendo um esforço de aumentar a consciência da tolerância mútua e alterar estados mentais e padrões de comportamentos por meio de estratégias inovadoras e audazes que implicam na participação de todos.

- O Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial nos oferece mais uma ocasião para reafirmá-lo, de modo que todos os cidadãos possam viver em dignidade, igualdade e paz - disse Koichiro Matssura.

Apesar de o Brasil se colocar como um racialmente democrático, para os negros o País vive, na verdade, sob um mito. As relações amistosas entre os diversos grupos étnicos mascaram o racismo e o preconceito existentes, sobretudo, em relação aos negros e povos indígenas. Entretanto, seus efeitos são visíveis nos dados da desigualdade racial entre negros e brancos.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os negros e pardos correspondem a a 45,3% da população brasileira, ou seja, 85 milhões de pessoas. O cenário de desigualdade é tangível nos levantamentos do instituto: 6% de brancos com 10 anos de idade ou mais aparecem nas estatísticas da categoria de trabalhador doméstico, enquanto os pardos chegam a 8,4% e os pretos a 14,6%. Na categoria empregadores encontram-se 5,7% dos brancos, 2,1% dos pardos e apenas 1,1% dos pretos.

Segundo o diretor-executivo do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdade, Hédio Silva Júnior, o Brasil passou por uma revolução silenciosa e fantástica de diminuição da discriminação racial nas últimas duas décadas.

- Cada vez mais o negro tem sido inserido na agenda brasileira. Os políticos estão preocupadas em fazerem projetos para diminuir a discriminação, as escolas adotam políticas de inclusão e os próprios negros estão mais unidos e engajados nas lutas pelos seus direitos - afirma Hédio.

O presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, deputado Luiz Alberto (PT-BA), disse que algumas medidas estão sendo tomadas para melhorar a situação do negro, como a política de cotas. Mas isso ainda é pouco para o Brasil que tem a segunda maior população negra do mundo. Para ele, esse dia é importante para unir as pessoas em discussões que colaborem com a definição de políticas para o setor.

- É necessária a criação de políticas para inclusão do negro na cultura, no trabalho, nos meios de comunicação e o acesso à saúde, ao lazer, ao esporte e à habitação - afirma o deputado.