Título: Ao trabalho
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 23/03/2005, Opinião, p. A12

A despeito das razões que o levaram a fazer mudanças mais modestas na equipe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva agiu acertadamente ao anunciar apenas dois novos ministros e encerrar as longas conversas em torno da reforma ministerial. A breve nota assinada pelo porta-voz da Presidência da República, André Singer, não significou somente uma elegante resposta de Lula à impudência de alguns partidos - balizada pelo crescente descaramento na cobrança de nomes e postos a serem preenchidos na reforma. A decisão do Palácio do Planalto constitui também um ganho notável para a qualidade do Ministério, especialmente pela indicação do deputado federal Paulo Bernardo (PT-PR), um nome notoriamente reconhecido pela competência. Convém sublinhar, contudo, que o governo perdeu tempo e energia demais com a excessiva demora na condução da prometida reforma. O longo adiamento, neste caso, constitui um inevitável convite à bagunça. E um estímulo aos bagunceiros mais desenvoltos, como o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) - que, embevecido pelo cargo assumido há cerca de um mês, saiu a emitir recados inoportunos. A incontinência verbal do deputado acabou ajudando o presidente Lula a encontrar uma saída que ele próprio criou. Afinal, foram praticamente seis meses de negociações e incômodas conversas de bastidores, capazes de gerar instabilidade entre os atuais ministros e suas equipes, além de alimentar freqüentes ameaças - dissimuladas ou explícitas.

Com ou sem ''efeito Severino'', as trocas anunciadas ontem permitirão ao governo voltar a trabalhar de fato, sem patinar nas habituais especulações. É o que o Brasil deseja e espera. A chegada do novo ministro do Planejamento, por exemplo, constitui um evidente reforço à área econômica. Paulo Bernardo tem sido um competente porta-voz do ministro Antonio Palocci no Congresso. Hoje no terceiro mandato como deputado federal, já ocupou a Secretaria da Fazenda do Mato Grosso do Sul, onde pôs as finanças em ordem. Aos seus atributos, acrescente-se o profundo conhecimento que tem sobre orçamento público (presidiu a Comissão Mista do Orçamento em 2004). Também foi relator do projeto das Parcerias Público-Privadas na Câmara, uma das mais importantes aprovações do ano passado.

Como Paulo Bernardo, o novo responsável pela Previdência, Romero Jucá, é um perspicaz operador político. O Planalto precisará de tais prerrogativas no diálogo com o Legislativo daqui para a frente. O governo tem pressa para recuperar o papel de articulador, perdido desde o processo de sucessão da Mesa Diretora da Câmara e cristalizado na lentidão da reforma ministerial. Sabe que os desgastes no Congresso têm força suficiente para entorpecer as ações do Executivo. Um alerta é a pequena queda da aprovação do brasileiro ao governo, revelada pela pesquisa CNI/Ibope, divulgada ontem. A avaliação positiva caiu de 41% para 39%. Trata-se de um recado, por enquanto, sutil. Mas razoavelmente importante para reafirmar: é hora de voltar ao trabalho.