Título: Descoberta corrupção sistemática na PF de São Paulo
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 25/03/2005, País, p. A4
Inspeção da própria Polícia Federal identificou esquema de fraude em superintendência
Desvio de mercadorias, sumiço de armas, inquéritos clonados e investigações sobre criminosos engavetadas. Estas foram algumas das irregularidades que a Polícia Federal encontrou dentro de sua Superintendência de São Paulo. A investigação é resultado de seis meses de correição extraordinária, uma operação interna que contou com a participação de 94 delegados, agentes e escrivães de todo o país.
Foi a maior operação já realizada pela PF dentro da própria instituição e segue a política de ''cortar na própria carne'', anunciada pelo diretor-geral Paulo Lacerda. As correições serão realizadas em todas as superintendências do Brasil.
Os relatórios da correição extraordinária na Superintendência paulista - que juntos somam mais de 15 mil laudas - apontam desvios de toneladas de mercadorias nos contêineres e nos depósitos da PF, grande parte apreendida na Galeria Pajé e na Rua 25 de Março. Era desviado R$ 1,5 milhão por ano em mercadorias apreendidas pela PF, dentro da Delegacia de Polícia Fazendária, segundo os relatórios. Os delegados apreendiam as mercadorias e registravam apenas uma parte nos autos de apreensão.
Apreendiam-se, por exemplo, 100 computadores, e só 20 eram registrados nos autos de apreensão. Há caso de ''excedentes'' não contalibilizados de itens como uísque importado, aparelhos de DVD, eletroeletrônicos em geral e até algumas armas. Outro truque era o preenchimento de autos de apreensão de mercadorias como relógios sofisticados, sem detalhar marca ou modelo, abrindo espaço para a corrupção.
Os inquéritos para apurar as fraudes envolvendo contrabandistas como Law Kin Chong e seus parentes eram engavetados. A legislação determina que o delegado envie a cada 30 dias o inquérito para a Justiça, onde é aforado, recebendo um número de registro, o que não acontecia.
Outro contrabandista, Roberto Eleutério da Silva, o Lobão, também tinha regalias dentro da PF de São Paulo. Um inquérito que apurava o uso de celulares por Lobão dentro da carceragem estava parado.
Eram criados dois inquéritos com o mesmo número e um deles corria em paralelo, para investigar assuntos diferentes. A clonagem de número de inquérito, para os investigadores, é a melhor forma de um delegado inventar uma investigação com o objetivo de extorquir alguém.
Do total de 15.832 inquéritos que tramitavam na Superintendência, a inspeção descobriu que na verdade só existem 10.570. Os 5.262 inquéritos restantes eram ''virtuais'', só existiam no Sistema Nacional de Procedimentos da PF (Sinpro). Alguns não tinham sido baixados no sistema. Um dos inquéritos, que apura um assalto a um carteiro, desapareceu.
Intimações de acusados para prestar depoimentos eram feitas nos dias em que os delegados não se encontravam no cartório ou estavam de férias. Os criminosos não eram indiciados em vários inquéritos.
Um dos delegados que vai responder a processo administrativo é Eldo Saraiva Garcia, por condução irregular de investigações. Quatro inquéritos que investigam funcionários da própria PF por envolvimento com corrupção foram levados para Brasília. Um dos inquéritos que não tramitaram de forma correta dentro da PF é para investigar o agente Paulo Endo.
A Superintendência da PF em São Paulo não tinha celas, mas gabinetes de agentes adaptados, abertos, sem grades, onde os presos circulavam livremente. Na ''cozinha'' utilizada pelos presos, foram encontradas quatro facas. Os presos usavam celulares e até uma geladeira. Um delegado que cumpria pena em regime semi-aberto foi colocado na cela com grades após a correição. As celas com grades tinham sugestivos nomes como Jesus Cristo, Sigmund Freud, Charles Darwin e Machiavel. Agora voltam a ter apenas números.
Foram encontradas mais de 4 mil notícias-crime (denúncias) sem investigação. Investigações que duravam mais de oito anos, pelas quais passaram até 12 delegados, nada apuravam. Muitos inquéritos eram enviados à Justiça de forma prematura, sem a efetiva investigação.
Ao todo, a PF contabilizou 64 tipos de irregularidades diferentes durante a investigação. Dos 132 delegados da corporação na Superintendência, 52 deles (40%) poderão receber punições. O descontrole era tão grande que alguns delegados e agentes que vinham trabalhando corretamente se dizem discriminados pelos colegas.