Título: Onda democrática enterra passado
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 25/03/2005, Internacional, p. A7

Indignada com fraudes em eleição, população toma palácio e expulsa presidente da ex-república da URSS na Ásia Central

MBISHKEK - A oposição da República do Quirguistão, que há dias exigia a renúncia do presidente Askar Akayev, tomou à força o governo na capital Bishkek, invadida por milhares de manifestantes ontem. Houve choques com a polícia, mas no fim o líder da marcha, Kurmanbek Bakiev, fez uma entrada solene no edifício presidencial em meio a vivas, e foi seguido por outra figura importante da oposição, Roza Otunbaieva. Situado na Ásia Central, o Quirguistão faz fronteira com Cazaquistão, China, Tadjiquistão e Uzbequistão.

- Controlamos a presidência - anunciou Bakiev.

Os ministros da Defesa e da Segurança chegaram a ficar presos no edifício, mas liberados, embora tenham sofrido agressões. O presidente Akayev, de 60 anos, fugiu do país a bordo de um helicóptero que decolou de uma base militar para o Cazaquistão com a esposa Mairam e os quatro filhos, dois deles (a primogênita Bermet e a caçula Aidar) recentemente eleitos deputados. Antes teria assinado a renúncia. Akayev era o mais liberal dos mandarins no poder nas cinco ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, intelectual por formação e velho amigo de Andrei Sakharov.

O principal símbolo da oposição, Felix Kulov, foi libertado da prisão. Ele tinha sido preso sob acusação de roubo e abuso de poder em 2001, mas seus seguidores afirmam que a detenção foi uma manobra de Akayev para neutralizar a influência política do rival.

À noite, o presidente do Parlamento, Ichenbai Kadyrbekov, foi indicado como interino, de acordo com a lei. Também se criou um conselho de coordenação da unidade nacional, a ser presidido por Bakiev.

A invasão aconteceu depois de uma batalha campal com paus e pedras entre a população e policiais, muitos a cavalo. Várias pessoas ficaram feridas. Os manifestantes, já no prédio, estenderam nas janelas a bandeira nacional e atiraram retratos do ex-presidente, móveis e computadores pelas janelas. Também distribuíram comida para a multidão e queimaram carros. Muitos usavam lenços rosas ou amarelos, em referência às revoluções na Ucrânia e na Geórgia.

A televisão estatal, que ignorou os acontecimentos, transmitindo vídeos com canções e danças, depois passou noticiar a ação.

- O presidente tem de ver quantas pessoas exigem sua renúncia - afirmava Bakiev. Agitando bandeiras vermelhas e amarelas, o povo levava cartazes com a inscrição ''Renúncia Akaiev''.

A reação popular surgiu dos protestos após o anúncio dos resultados das eleições legislativas de fevereiro e março, consideradas fraudulentas tanto pelos EUA quanto pela Europa. O governo negou, mas a Suprema Corte invalidou o pleito. O protesto estava inicialmente restrito ao Sul do país, mas ontem comboios de ônibus rumaram para a capital.