Correio Braziliense, n. 21233, 13/07/2021. Política, p. 2

Bolsonaro entra na mira da PF
Sarah Teófilo
Luiz Calcagno
13/07/2021



Corporação abre inquérito para apurar se o presidente prevaricou por não ter comunicado aos órgãos de investigação indícios de corrupção nas negociações de compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde

O presidente Jair Bolsonaro virou alvo de investigação da Polícia Federal por suspeita de prevaricação. A corporação abriu um inquérito a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para apurar se o chefe do Executivo cometeu crime ao não reportar às autoridades competentes as suspeitas de irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde. O mandatário teria sido alertado, em março, numa reunião com o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e com o irmão dele, o servidor da pasta Luis Ricardo Miranda. Na ocasião, Bolsonaro teria culpado o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) pelo "rolo".

Caberá à PF dizer se o presidente, de fato, não tomou as medidas cabíveis quando soube das suspeitas. À CPI da Covid, Luis Miranda disse que Bolsonaro teria prometido procurar a Polícia Federal, o que parlamentares destacam que nunca aconteceu. O inquérito só foi instaurado na corporação em 30 de junho, após o escândalo estourar.

Luis Miranda deve voltar a ser ouvido pela comissão. Na primeira vez em que compareceu ao colegiado, depôs com Luis Ricardo Miranda, chefe do Departamento de Importação do Ministério da Saúde. Foi o servidor quem suspeitou de irregularidades envolvendo a negociação do imunizante, apontando problemas na invoice (nota fiscal internacional) enviada pela Precisa Medicamentos, empresa que intermediou o contrato. Ele também relatou ter sofrido "pressões atípicas" para acelerar a importação do produto, apesar de erros na invoice.

Bolsonaro nunca negou a reunião com os irmãos Miranda. E o deputado do DEM, por sua vez, já insinuou, em mais de uma ocasião, que teria uma gravação da conversa. Os áudios já teriam até mesmo circulado entre alguns parlamentares governistas na Câmara.

A Covaxin é produzida pelo laboratório Bharat Biotech, representado no Brasil pela Precisa, um dos alvos da CPI da Covid. O governo negociou a compra das doses às pressas, quando ainda não havia aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e quando Bolsonaro afirmava que não compraria vacinas contra o novo coronavírus sem autorização da agência.

Notícia-crime

Foi marcado por idas e vindas o pedido da PGR para que a PF abrisse um inquérito visando investigar Bolsonaro. A solicitação só ocorreu após a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrar a Procuradoria. A magistrada enviou uma notícia-crime, protocolada por senadores, para análise do órgão. A PGR, cujo procurador-geral, Augusto Aras, é próximo de Bolsonaro, chegou a pedir ao Supremo para aguardar a conclusão dos trabalhos da CPI da Covid e, só então, se pronunciar sobre a notícia-crime.

A resposta de Rosa Weber foi dura. Ela enfatizou que "no desenho das atribuições do Ministério Público não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República" e apontou que a Procuradoria "desincumbiu-se de seu papel constitucional". Só após a reprimenda a PGR pediu, então, a investigação de Bolsonaro.

Alinhamento

A notícia-crime foi protocolada no STF pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO). O inquérito aberto pela PF, no entanto, será tocado por dois órgãos que têm as cúpulas alinhadas ao governo. A Procuradoria-Geral da República, que tentou sem sucesso adiar a investigação, e a Polícia Federal.

Pena leve
O crime de prevaricação está previsto no artigo 319 do Código Penal, com pena de até um ano de detenção. No entanto, uma avaliação interna no Supremo Tribunal Federal é de que, pelo fato de o delito ser de baixo potencial ofensivo, com penas leves, dificilmente o inquérito resulte em uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que a investigação conclua que o chefe do Planalto prevaricou ao não comunicar a PF após suspeitas no Ministério da Saúde, o mais provável é que seja proposto a ele um acordo de não persecução penal — neste caso, ele teria de aceitar algumas condições para que o processo seja encerrado.