Título: Pêsames para a reforma que nunca existiu
Autor: Villas-Bôas Corrêa
Fonte: Jornal do Brasil, 25/03/2005, Outras Opiniões, p. A11
O enredo da reforma ministerial - que acabou ou foi suspensa antes de começar - depois de espichado durante seis meses lembra mais os antigos seriados, acompanhados nos cinemas de bairro por platéias fanatizadas pela da emoção, em doses semanais nas sessões domingueiras, do que as novelas, com os capítulos antecipados pela imprensa. Em meio ano de hesitações, de exuberante safra especulativa, com mais palpites que no jogo do bicho, a dança dos futuros ministros no sobe-e-desce da cotação da bolsa, o tapa de leve na mesa do presidente Lula, dando o não dito por encerrado, deixa como legado para sua análise, a amarga frustração dos que as fontes palacianas de sempre davam escolhas certas, definitivas e a marca do temperamento do antigo líder sindical, na gangorra das suas qualidades e das suas deficiências.
Para começar pelo lado positivo, é evidente que o presidente não poderia engolir, mesmo empurrado pelo copo cheio das tardias desculpas do folclórico presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, a provocação grosseira, em desafio público à sua autoridade, ao impor, com prazo de horas, a nomeação do seu protegido, deputado Ciro Nogueira, do PP que virou feudo do guru do baixo clero, para o cobiçado Ministério das Comunicações, sob pena dele e do partido pularem a cerca para a banda da oposição.
Tal impolidez não poderia ficar sem revide. E Lula foi às últimas, em exagero desproporcional à importância do impertinente autor.
Aproveitou o motivo, utilizando-o como pretexto para despejar no monturo a anunciada caiação do cortiço de 35 cômodos ocupados por ministros e secretários, respirar aliviado e dar tempo ao tempo, empurrando os aborrecimentos para o amanhã dos eternos adiamentos.
De reforma para valer, jamais cogitou nas conversas com os íntimos. Trocar alguns para livrar-se do peso de fracassos notórios nas muitas trapalhadas desgastante dos dois anos e três meses de mais da metade do mandato e atrair aliados potenciais ou consolidar acertos recentes recebeu o equivocado tratamento de reforma. Com a antecipação do debate sucessório e o lançamento da candidatura de Lula à reeleição pelo PT, chuvisco na rua alagada que molha ambições, o governo definiu a sua prioridade política. Tanto que ensaia desmentidos para tentar o blefe e seguir as regras do pôquer.
Não é provável, não se ampara em raciocínio lógico, a desistência da troca de meia dúzia de ministros para o resgate de promessas na barganha do apoio em 2006. O que perpassa, com clareza que dispensa apurar a vista, nas declarações do senador Renan Calheiros, presidente do Senado e do senador José Sarney, pai da senadora Roseana Sarney, presença certa em todas as listas dos escolhidos, à saída do gabinete do presidente Lula, momentos antes do anúncio oficial da marcha-a-ré nas obras do Ministério. Sarney foi explícito, escolheu as palavras precisas: ''A reforma está suspensa por tempo indeterminado''.
Em meio ano, pisando no calo da experiência que ensina que reforma ministerial deve ser feita e anunciada de uma vez, no menor tempo possível, Lula perdeu a hora de aplicar uma rija sacudidela no governo, despertando os que se omitem, os que nada fazem e injetando sangue novo na veia do dorminhoco.
Mais tarde, com a reeleição próxima, lá pelos últimos meses do ano, alguns descartáveis deverão ser despedidos para abrir as vagas que carimbam alianças.
Até lá, advertido pelo tropicão da queda de quatro pontos na pesquisa do CNI/Ibope, dos 62% de novembro para os 58%, com o repique de menos 2% , dentro da margem de erro, da avaliação positiva do governo, o presidente recorreu à sua botica para os paliativos caseiros, que não curam a doença, mas engambelam os parentes e amigos: anunciou o ''choque de gestação'', apelido pomposo e que não quer dizer coisa nenhuma e reuniu o Ministério com os 35 ministros e secretários, mais assessores, líderes, convidados, penetras para armar o cenário e a platéia para o seu discurso, na alternância de textos lidos com os improvisos da sua celebrada fluência de comunicador untado de carisma.
De alma lavada, Lula está feliz, em ponto de bala para o churrasco e a pelada do fim da semana.