Título: Estatizando o Banco Central
Autor: PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Fonte: Jornal do Brasil, 25/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

A Severo Gomes

In memoriam

Generaliza-se a percepção de que é excessiva a influência das instituições financeiras sobre a política monetária e outros aspectos da política econômica. O problema é antigo. Nos anos 80, a esquerda do PMDB queria estatizar o sistema financeiro. O senador Severo Gomes comentou: ''Já me daria por satisfeito se conseguíssemos estatizar o Banco Central!''.

Com o passar do tempo, foi ficando mais claro que precisamos de uma reforma do Banco Central capaz de transformá-lo em uma instituição orientada pelo interesse nacional. Onde está exatamente o problema? Em grande medida no controle informal dos grandes bancos sobre as nomeações para os cargos de direção do Banco Central. Nos bastidores, vigora um regime de indicações e vetos que conduz ao seguinte: a escolha de pessoas rigorosamente identificadas com os interesses e a visão de mundo do mercado financeiro. As diretorias do Banco Central têm sido dominadas, há muitos anos, por pessoas com esse perfil, isto é, economistas e outros profissionais oriundos do sistema financeiro e adjacências ou que têm esse sistema como destino.

O que fazer? Posso sonhar um pouco? Antes de mais nada, é preciso ter coragem e clareza de propósitos. O primeiro passo seria formular um projeto de lei que defina regras de entrada e saída para os diretores do Banco Central. Reconheço que, no Brasil, isso pode ser um sonho dos mais desvairados. Cabe lembrar, entretanto, que esse foi o sonho dos constituintes. O artigo 192 da Constituição de 1988 estabeleceu que lei complementar regularia o sistema financeiro, dispondo sobre ''os requisitos para a designação de membros da diretoria do banco central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo'' (inciso V), entre diversos outros aspectos.

Passaram-se os anos e a referida lei complementar não saiu. Sintomaticamente, o que saiu foi a Emenda Constitucional Nº 40, de 29 de maio de 2003, que suprimiu o inciso V e todos os demais incisos e parágrafos do artigo 192. A emenda foi infeliz, mas nada na Constituição impede que se aprove uma lei complementar fixando regras para a nomeação dos diretores do Banco Central, assim como os impedimentos após a sua saída do cargo, como previa o inciso V.

Essas regras poderiam incluir uma limitação do número de integrantes da diretoria oriundos do sistema financeiro e suas adjacências. A direção do Banco Central precisa, é claro, contar com profissionais que tenham experiência de mercado financeiro. Mas sem exageros. A diretoria tem atualmente nove integrantes (o presidente e oito diretores). Uma possibilidade seria estabelecer que não mais de três dos seus integrantes poderiam ter sido sócios ou empregados de instituições financeiras - ou prestadores regulares de serviços (de consultoria, assessoria, etc.) a essas instituições - nos seis meses anteriores à sua designação para o Banco Central. Os demais seriam funcionários de carreira do Banco Central ou pessoas de outras áreas da sociedade, de notório conhecimento econômico-financeiro.

Caberia estabelecer, ainda, que após a saída do cargo os diretores do Banco Central ficassem legalmente impedidos, por um período, digamos, de dois anos, de exercer a condição de sócio ou empregado de instituições financeiras, assim como de prestar serviços de qualquer tipo, em bases regulares, a essas instituições. Em outros países existem restrições desse tipo. Conviria examinar a experiência internacional e definir com cuidado e equilíbrio um regime de quarentena para os ex-diretores do Banco Central.

Em um dos seus livros autobiográficos, Celso Furtado relatou um diálogo que teve com Raúl Prebisch, nos anos 50. Furtado indagou por que Prebisch voltou à universidade depois da sua passagem pelo banco central da Argentina. Resposta de Prebisch: ''Quando deixei o Banco Central fiquei sem meio de vida. (...) Eu havia sido muitos anos Diretor-Presidente do Banco Central, conhecia a carteira de todos os bancos (....). Quando me demitiram, muitos grandes bancos me ofereceram altas posições, mas como podia colocar os meus conhecimentos a serviço de um se estava ao corrente dos segredos de todos?''. (Celso Furtado, A Fantasia Organizada, Paz e Terra, 2ª edição, 1985, p. 110).

Outros tempos, outras pessoas, outra ética.

Paulo Nogueira Batista Jr. (pnbjr@attglobal.net) é professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Versão condensada de artigo publicado na Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br).