Correio Braziliense, n. 21238, 18/07/2021. Economia, p. 7

Teto de gastos sob fogo cruzado em 2022
Rosana Hessel
18/07/2021



Diante da ineficácia das regras fiscais em vigor, analistas reconhecem que será necessário uma rediscussão do arcabouço, mas de forma mais conectada com o que o resto do mundo anda debatendo e fazendo para sair da crise econômica

O teto de gastos, instituído no governo Michel Temer limitando o aumento de despesas à inflação do ano anterior, continua causando polêmicas e poderá ser revisto no início do próximo governo, quando deverá ruir, segundo analistas. Aliás, a revisão das regras fiscais e a maior conexão com o debate econômico global sobre as saídas da recessão provocada pela pandemia da covid-19 não escaparão do debate eleitoral de 2022.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à frente nas pesquisas de opinião, vem defendendo a revogação do teto de gastos nas redes sociais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e integrantes da equipe econômica mantêm o discurso de que a regra tem sido respeitada e a agenda econômica "caminha para a consolidação fiscal". Mas essa emenda que limita as despesas à inflação nunca foi, de fato, cumprida desde a entrada em vigor, em 2017, apenas comprimiu os investimentos públicos. Além disso, a melhora na dívida pública bruta não é resultado de ajuste nas despesas, mas, em grande parte, do benefício da inflação sobre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2021.

Apesar de ser bem visto pelo mercado financeiro, os defensores das regras fiscais admitem que é preciso a reforma administrativa e rediscutir o arcabouço atual para o teto não ruir. A meta de superavit primário (economia para o pagamento da dívida) vem sendo descumprida desde 2014 e a regra de ouro — que proíbe a União de se endividar para cobrir gastos correntes, como salário e aposentadoria —, burlada com o aval do Congresso desde 2019. Uma das principais críticas à regra do teto, aliás, é a falta de paredes para dar sustentação. Quando essa norma seria colocada à prova, veio a pandemia da covid-19 e o governo precisou criar válvulas de escape: o orçamento de guerra, que permitiu tirar os gastos emergenciais do teto em 2020, e medida semelhante foi adotada neste ano.

"O arcabouço de regras fiscais precisará ser debatido, e a discussão do teto de gastos acontecerá durante a campanha eleitoral, mas não acho que mudem essa regra antes de 2023", prevê Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital. Para ele, o Congresso poderia minimizar o ruído em torno do teto se criasse subtetos para as principais despesas, como pessoal e encargos, subsídios e investimentos e, assim, "organizar o conflito distributivo".

"O teto de gastos não se sustenta sem uma reforma administrativa e uma reforma da Previdência integral, porque a de 2019 não foi completa", avalia o economista Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP). Ele destaca que o sistema atual não vai suportar o aumento expressivo de aposentados sem uma capitalização para complementar o benefício.

"O teto de gastos não tem sustentação e as paredes são as reformas para o controle de despesas", reforça Silber. Ele ainda avalia que existe uma ilusão de melhora fiscal neste ano, por conta da redução da dívida pública, mas o quadro volta a piorar no ano que vem, pois o PIB vai desacelerar para 2% e, portanto, "não haverá aumento de receita como neste ano".

Risco de recessão
Grande crítico do teto de gastos, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), não descarta o risco de recessão se essa regra for mantida, a exemplo do que ocorreu entre 2015 e 2016, após as medidas de austeridade fiscal. "Eu considero a regra do teto de gastos uma das coisas mais reveladoras do atraso do debate econômico que está sendo conduzido no Brasil. A preocupação geral é com a trajetória da dívida, mas o endividamento é um ativo de última instância que garante o desenvolvimento da situação fiscal e monetária dos países. Tenho conversado com economistas europeus, e eles ficam de cabelo em pé com essa ideia do teto", afirma. Ele explica que economia tem movimentos cíclicos e é preciso entender essas flutuações para ter um verdadeiro plano de desenvolvimento econômico. "A teoria econômica está muito atrasada no Brasil. O mundo está discutindo soluções que passam pelo aumento do gasto público e pela revisão de metas, inclusive, de inflação", acrescenta.