Título: Fragilidade do papa comove fiéis
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Fonte: Jornal do Brasil, 28/03/2005, Internacional, p. A9

Setenta mil pessoas se reúnem na praça de São Pedro para receber a benção do pontífice, que não consegue falar

VATICANO - As comemorações pelo Domingo da Ressurreição deram lugar ontem à preocupação com a saúde do papa João Paulo II, depois que o pontífice apareceu na janela de seu quarto, na praça de São Pedro, para abençoar os fiéis. O Santo Padre estava visivelmente cansado, sofrendo e impossibilitado de falar. Apesar dos aplausos e cantos dos 70 mil presentes, as câmeras da TV pública mostraram os fiéis enxugando as lágrimas.

João Paulo II, que em maio completa 85 anos, fez ontem um esforço sobre-humano para falar na hora da bênção Urbi et Orbi- expressão em latim para ''à cidade e ao mundo'' -, mas não conseguiu. Gesticulou com força, porém, só emitiu sussurros.

Os últimos problemas de saúde evidenciam a evolução do mal de Parkinson, que está criando ao papa complicações na voz e deixando seus músculos cada vez mais rígidos.

Mas, segundo observadores, o sofrimento foi mais psicológico do que físico. Para muitos, o fato de ter podido acompanhar com a cabeça e os olhos a leitura da mensagem pascal, feita pelo cardeal Angelo Sodano, é uma confirmação de que está mentalmente lúcido.

- É como uma bênção, mesmo que não diga nada - comentou Perrine Evain, uma voluntária italiana de 22 anos, que não conseguia conter as lágrimas após a silenciosa aparição.

- Não, não é possível. O pobre não consegue falar - disse, comovida, a peruana María Romero, enquanto o papa tentava, com grande esforço, pronunciar em latim a bênção nos microfones instalados em frente ao seu atril. A única coisa que se ouvia era sua respiração ofegante.

Espera-se que nos próximos dias comece a ser notada uma melhora no estado de saúde do pontífice, após o fim da Semana Santa e passado o descontentamento por não poder oficiar os ritos, o que, segundo o jornal local L'Osservatore Romano, lhe deixou muito decepcionado.

A recuperação após a traqueostomia, à qual o papa foi submetido em 24 de fevereiro, aparentemente não correu como se esperava. Em 13 de março, horas antes de receber alta, ele surpreendeu o mundo ao falar com voz rouca, porém clara, o que sugeria que em pouco tempo estaria recuperado. Para facilitar a convalescença, delegou aos cardeais os ritos mais longos e reservou a bênção Urbi et Orbi e a Via-Crúcis da Sexta-Feira Santa para si.

No entanto, a aparição no Domingo de Ramos na janela de seu quarto, uma semana após receber alta, já mostrou um papa muito fraco, com expressão de sofrimento e uma venda na mão. E o mais preocupante: incapaz de falar. Situação semelhante ocorreu na Quarta-Feira Santa, 23 de março, quando o pontífice fez uma aparição de apenas 50 segundos na janela do quarto e novamente foi visto com aspecto muito frágil.

Nos dias subsequentes, chegou-se a afirmar que o Santo Padre estava em estado crítico, o que foi negado pelo Vaticano.

Fontes da Santa Sé justificaram que os problemas surgidos nessas dias estavam relacionados à dificuldade do papa em deglutir e à rejeição a um remédio à base de ferro, para combater a anemia. As doses do medicamento teriam sido revisadas e sua dieta, alterada.

Por este motivo, a aparição de ontem era esperada com grande interesse e considerada um ''teste'' para se saber seu verdadeiro estado de saúde.