Correio Braziliense, n. 21241, 21/07/2021. Brasil, p. 6

Aplicação da 3ª dose divide especialistas
Maria Eduarda Cardim
Gabriela Bernardes
21/07/2021



Ministério da Saúde não pretende adotar, pelo menos por enquanto, a chamada revacinação contra a covid-19, que vem sendo anunciada por alguns estados e municípios. Para Marcelo Queiroga, discussão sobre o tema é precipitada e gera insegurança

Apesar de alguns estados e cidades do Brasil terem anunciado a adoção da terceira dose, a chamada revacinação contra a covid-19 não está nos planos do Ministério da Saúde. Isso porque, segundo a pasta, até o momento não há evidência científica que confirme a necessidade de aplicações adicionais e, por isso, o ministro Marcelo Queiroga considera que a discussão neste momento causa insegurança na população. Especialistas tendem a concordar com o ministro, sobretudo porque apenas 21,9% da população com mais de 18 anos estão com o esquema vacinal completo — duas doses ou, se for o caso da vacina da Janssen, uma única aplicação.

"Se a gente tivesse toda a população vacinada, acho que teríamos abertura para o debate se vamos usar uma dose de reforço, se o modelo de vacinação da covid-19 vai seguir o modelo da influenza. Mas estamos com cerca de 34 milhões de pessoas com as duas doses e tudo que a gente tem são ofertas de vacinas que chegarão. Abrir essa discussão é um efeito dessa pandemia, quando ficou tudo fragmentado e se tomam decisões em busca de holofotes", criticou o infectologista e presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, David Urbaez.

Ele concorda quando Queiroga diz que a discussão sobre a necessidade de uma dose de reforço "leva mais insegurança à população". "Lógico que causa ansiedade nas pessoas. As pessoas já duvidam da vacina, duvidam da ciência e duvidam até que a gente esteja realmente em pandemia", ressaltou.

César Carranza, médico infectologista do Hospital Anchieta de Brasília, também acredita que não é o momento de colocar a dose de reforço na programação dos estados e municípios. "Até porque não se passaram seis meses da imunização das primeiras pessoas vacinadas no Brasil, que é o tempo que os próprios fabricantes têm colocado como espaço de tempo para se cogitar uma revacinação", lembrou.

Urbaez reforça que, ao indicar data e incluir no calendário de vacinação uma dose de reforço, os gestores estão contando com algo que não têm, já que nem todas as vacinas compradas pelo governo federal chegaram ao país. "Os ovos nem foram chocados e você vai contar com os pintinhos. Nem chegou toda a vacina no país", lembrou Urbaez.
Segundo o Ministério da Saúde, o governo federal já comprou mais de 600 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, mas apenas 164 milhões estão sendo distribuídas às unidades da Federação.

Evolução natural
Os especialistas ressaltam que a possibilidade de se aplicar a dose de reforço contra a covid-19 é levada em consideração na área acadêmica e entre pesquisadores. "Isso sempre vai acontecer. É uma evolução natural da discussão de como você vai usar a ferramenta", salientou Urbaez.
Por causa disso, os fabricantes das vacinas buscam realizar estudos para avaliar eficácia e segurança de uma terceira dose, o que levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a aprovar um estudo para avaliar tal necessidade em relação ao fármaco da AstraZeneca/Oxford. A autarquia também já tinha autorizado um estudo pela Pfizer.

A possibilidade de reaplicação da vacina está sendo avaliada por vários países, mas a maioria ainda estuda tal necessidade. A Turquia foi o primeiro país com grande população a oferecer o reforço, no início deste mês — mas apenas para profissionais de saúde e pessoas com mais de 50 anos que receberam doses da Pfizer ou da CoronaVac.