Título: Com quem sonha Terri Schiavo?
Autor: Maria Clara L. Bingemer*
Fonte: Jornal do Brasil, 28/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

Há uma família que vive o desafio de crer neste que é o mistério maior do Cristianismo

No hemisfério Norte, a natureza celebra visivelmente aquilo que a Igreja celebra na sacramentalidade do mistério: a Páscoa do Senhor, a passagem de Jesus de Nazaré da morte para a vida. Confirmado pelo Pai como Filho querido e amado, sobre quem a morte não tem mais poder, Jesus ressuscita, ou seja, é suscitado dos mortos. Não há mais que buscá-lo entre os mortos, pois ele está vivo. Vivendo, não morre mais.

A natureza morre a cada ano na tristeza e obscuridade do inverno, nas frias temperaturas que gelam corpos e almas, na paisagem cinzenta e nas árvores despojadas de folhas. E depois ressuscita sempre de novo, florindo as árvores antes nuas, fazendo nascer brotos e colorindo de vida e beleza a paisagem antes desolada. A temperatura sobe e aquece os corações na busca de que o amor reine e se faça sentir, celebrando a natureza que novamente revive, enquanto nas igrejas os sinos bimbalham felizes, pois aquele que os homens mataram foi ressuscitado por Deus e constituído Senhor e Cristo.

Neste momento, há uma família que vive palpavelmente o desafio de crer neste que é o mistério maior do Cristianismo. Terri Schiavo, jovem casada e saudável, sofreu paralisia cerebral e encontra-se em estado absolutamente vegetativo. Respira apenas com a ajuda de aparelhos e alimenta-se somente com um tubo, uma sonda, ligada a seu estômago. Não consegue engolir, respirar sozinha, comunicar-se. Aparentemente está mais morta do que viva. A família de Terri está dividida. Enquanto o marido pleiteou e conseguiu o desligamento dos aparelhos que mantinham viva sua jovem descerebrada esposa, os pais lutam para reverter a decisão do juiz. E o mundo inteiro ouviu emocionado o apelo da mãe de Terri que pedia: por favor, por favor, por favor, salvem minha menina.

Enquanto isso, Terri está e segue adormecida. Com o que sonhará? O que passará por seu cérebro considerado morto pela medicina? Que sensações ainda lhe restarão no corpo que vai lentamente desligando-se da vida? Está viva Terri Schiavo? Está morta? Há várias décadas o mundo assistiu a um caso parecido. A jovem Karin Anderson sofreu problema semelhante. Os pais foram à justiça e apesar da grande resistência do júri, decidiu-se pelo desligamento dos aparelhos. Apenas... grande surpresa... Karin continuou vivendo, seu coração seguiu batendo, sua respiração não parou.

Por saber disso, a Igreja canta na vigília pascal: Só tu, noite feliz, soubeste a hora em que o Cristo da morte ressurgiu! Nós, seres humanos, com nossa pobre e limitada ciência, avançamos, fazemos descobertas, mas no entanto inspiramos profunda compaixão enquanto nos debatemos para descobrir os segredos da vida e da morte. Esses pertencem somente a Deus.

Certamente é com muito amor que o mesmo Deus que ressuscitou Jesus de Nazaré da morte, onde não podia ficar retido, se debruça com seu olhar compassivo e apaixonado sobre Terri Schiavo, como antes fez sobre Karin Anderson. Com seu poder criador e recriador acolhe em seu seio de Pai, fonte de vida, a todos aqueles e aquelas que balançam no abismo da morte e experimentam a dor e a angústia de sentir-se deslizando para fora da vida. Em seu Filho Jesus, o próprio Pai experimentou a dor de ver morrer alguém querido. Assim, é o único que pode consolar a mãe de Terri Schiavo e todos aqueles que a amam. Certamente está tentando sussurrar a seus ouvidos que não tenha medo, pois ela está em seu amor de Pai e não há nada a temer. A morte não tem poder sobre ela e o destino que a espera é o mesmo que esperava Jesus: a vida que vence a morte, a dor que não tem a última palavra. Só ele sabe com que sonha Terri Schiavo em seu sonho oculto a todos menos ao Criador que a fez e que, se ressuscitou seu Filho, como não ressuscitará a todos com Ele?

*Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio