Título: Ensino Superior: o descaso prevalece
Autor: Flávio Leão Pinheiro
Fonte: Jornal do Brasil, 28/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

Há duas semanas, à procura de livros na biblioteca na PUC-Rio, recebi notícia, no mínimo, estarrecedora. A princípio, pereceu-me piada, e de péssimo gosto. Mas não era, infelizmente. Ao não poder ter acesso a periódicos que buscava, foi-me informado o seguinte: ''Senhor, a biblioteca central foi reformada. Perdemos 60% do espaço de nosso armazém, que agora é ocupado por salas de aula para o curso de comunicação social. Dessa forma, tivemos que transferir todos os periódicos anteriores a 1996, e mais alguns livros do acervo, para depósito fora do campus''. Surpreso, porém não entendendo por completo o que se passava, repliquei: ''Ora, mas como faço para ter acesso ao material de que necessito?''. E a bibliotecária: ''Infelizmente, não poderemos lhe conceder acesso aos periódicos, pois parte do acervo retirado em razão das obras foi transferido para contêineres em depósito localizado no bairro da Penha, sem previsão de retorno''.

A biblioteca é o principal patrimônio de uma universidade. É neste espaço que se disponibilizam as informações; mais importante: é dele que germinam as pesquisas, fruto primordial da universidade, gerando o conhecimento, a razão de ser de qualquer instituição de ensino superior. Em suma, é o centro vital de toda instituição que se pretende séria. Não é à toa que as grandes universidades norte-americanas e européias se gabam de possuírem quilômetros e quilômetros de prateleiras lotadas de livros, jornais, revistas etc. à inteira disposição da comunidade. O sistema de bibliotecas de Harvard, por exemplo, congrega mais de 90 bibliotecas setoriais, e a biblioteca central possui acervo de mais de 14 milhões de volumes. Oxford reúne por volta de 11 milhões de volumes em 180 quilômetros de prateleiras. Outras, como a London School, Berkeley e Yale seguem o mesmo caminho, com acervos impressionantes, superiores a 10 milhões de volumes.

Claro que não pretendo comparar a PUC-Rio com instituições centenárias. A Pontifícia Católica, no entanto, encontra-se, sem sombras de dúvida, entre as 10 melhores instituições de Ensino Superior do Brasil. Não sendo possível alcançar os admiráveis níveis de instituições estrangeiras, é de se esperar, ao menos, a vontade de melhorar, de superar os problemas que nos afligem e estar, sempre, em busca da evolução e do aperfeiçoamento. O ''episódio da biblioteca'', contudo, demonstra que a instituição está na contramão do que se espera, destratando de bem primordial à pesquisa e à vida do campus, pois, se a biblioteca sempre sofreu com a omissão da reitoria - especialmente, por falta investimento, o acervo tem cerca de 150 mil volumes -, agora, a posição ativa da universidade vai de encontro aos princípios essenciais à gestão de uma instituição de ensino superior que preze pela qualidade. Dois agravantes somam-se ao episódio: primeiro, enquanto se depreda a biblioteca em prol de espaço para salas de aula, duas obras milionárias foram concluídas há pouco, um ginásio e uma igreja dentro do campus; segundo, a total omissão dos departamentos e do movimento estudantil a respeito do assunto deixa qualquer um boquiaberto.

A razão de expor o ''episódio da biblioteca'' é tão-somente uma: mostrar como nós, brasileiros, tratamos a educação e a nossa falta de seriedade para com as universidades. O caso pode parecer bananal e menor frente aos desafios que o país enfrenta. Ele, no entanto, não é só conseqüência de problemas estruturais do Brasil, mas é fator explicativo. Na república de Pindorama, onde abundam os Severinos, a falta de seriedade com a educação nos ajuda a entender muitas coisas: o subdesenvolvimento, a desigualdade social, a violência desenfreada que toma conta do país e o mau funcionamento de instituições essenciais, como o Judiciário.

Nessa história toda, um dos pontos que mais me chamou a atenção, contudo, foi o total descaso de alunos e professores. Se as pessoas que dependem, diretamente, da universidade, que vivem do ensino e para o ensino, demonstram tamanha passividade, o que pensar do restante da sociedade. Daí reflito sobre a real efetividade da ''nova'' reforma universitária proposta pelo Ministério da Educação (MEC) que está em pauta, trazendo como principais pontos o aperfeiçoamento do controle sobre o ensino das faculdades particulares, criação de conselhos comunitários, expansão da rede pública, participação do capital estrangeiro, auxílio estudantil, entre outros pontos. Será que mudanças institucionais - novas regras - terão algum efeito sobre a qualidade do ensino se a sociedade civil permanecer insensível, e, admiravelmente, passiva, diante da incapacidade de superarmos problemas que, há décadas, assolam a educação superior no Brasil? Há mais de 50 anos, Monteiro Lobato dizia que só se constrói uma nação com homens e livros. Acredito que ainda não entendemos a mensagem.