Título: África do Sul assume liderança
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Fonte: Jornal do Brasil, 28/03/2005, Internacional, p. A12

Depois de décadas de guerra civil, Sul do continente segue o caminho da estabilidade política e financeira

KAZUNGULA FERRY, Botsuana - Depois de décadas de guerra civil e declínio econômico, o Sul da África segue hoje o caminho da estabilidade política e financeira sob a liderança da África do Sul. A conclusão, apontada por especialistas, ainda afirma que os países da região têm pouco a temer no que diz respeito aos problemas no Zimbábue, considerado atualmente uma exceção turbulenta da área.

- A grande história desde a independência dos países da África subsaariana é o surgimento da África do Sul como um líder regional - afirma John Stremlau, diretor do departamento de Relações Internacionais da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo. - O Sul da África está em boa forma. O Zimbábue é exceção não a regra.

Em 2004, Botsuana, Namíbia, Moçambique e a África do Sul fizeram eleições tidas em geral - com algumas poucas exceções - como livres e justas.

E mesmo que a região seja o epicentro da epidemia da Aids e uma área onde muitos vivem na pobreza, o otimismo é crescente.

- As coisas estão muito melhor. Há mais democracia - diz o jovem comerciante informal Lee Mudita, de 22 anos, no ferry que cruza a fronteira entre Botsuana e a Zâmbia.

No entanto, a tendência não é geral, afirma Mudita. O Zimbábue se mostra claramente fora de controle e de compasso com a região.

- A Zâmbia e a Namíbia estão enriquecendo. Dá para fazer bons negócios por lá - conta o jovem. - Botsuana não é tão bom. Eles têm apenas diamantes. O Zimbábue é perda de tempo. A culpa é do governo - completa.

Ao mesmo tempo em que a população no Zimbábue se prepara para votar em eleições parlamentares em 31 de março - quando é esperada mais uma vitória do partido que dirige o país - boa parte do mundo olha a nação como um foco de problema.

Críticos acusam o governo do presidente Robert Mugabe de apoiar a expropriação de fazendeiros brancos, de fraudar as eleições, e de tornar o antes próspero país em um Estado pária. A inflação caiu mas ainda está acima dos 100% ao ano.

No entanto, analistas dizem que não há perigo de a situação contagiar os vizinhos. Segundo os especialistas, o exemplo da África do Sul, que desafia as projeções de turbulência que tomaria o país após o fim do apartheid, em 1994, mantém a região estável.

Apesar da incidência de alguns elementos da nova África do Sul, como os altos índices de estupro e de crimes violentos, poucos duvidam de que o país tomou o rumo de líder regional para o desenvolvimento.

Alguns apontam os governos de Nelson Mandela e de Thabo Mbeki como ícones da estabilidade política. Outros ressaltam as empresas sul-africanas que crescem pelas nações vizinhas. Muitos são os imigrantes que o país recebe atualmente, estudantes e trabalhadores.

- Há uma série de razões - diz Razia Khan, economista africano do Banco Standard Chartered. - É o fim da Guerra Fria e os efeitos disso sobre a África do Sul. Além das boas políticas para a economia do país.

Botsuana é uma democracia desde a independência em 1966. Tanto a Namíbia quanto Moçambique, veteranos de guerra como Sam Nujoma e Joaquim Chissano, deram lugar a novos líderes apesar de que os países ainda vivem em regime de partido único. Já Angola anuncia eleições em 2006 ou 2007.

- É possível ver a troca de lideranças, mas mesmo com os pleitos não há uma mudança substancial por causa da força dos partidos no poder - analisa Mike Davis, do Grupo de Controle de Risco, uma organização que acompanha a política na região. - Não há uma ameaça real aos partidos dominantes no futuro próximo.

Poucos prevêem qualquer modificação da situação no Zimbábue, pelo menos enquanto Mugabe continuar vivo. Mesmo assim, alguns no país - que já foi considerado um caso de sucesso na área - dizem que a nação pode voltar ao rumo.

- O Zimbábue vai se recuperar. A infraestrutura já está lá - afirma Jonathan Gibson, um ex-soldado sul-africano que se tornou fazendeiro em Botsuana, a poucos quilômetros da fronteira com o país. - Mas eu digo isso há anos.

Cerca de 50% dos trabalhadores na fazenda Gibson vêm do Zimbábue e milhões já deixaram o país - legal ou ilegalmente - atrás de trabalho, enviando às famílias deixadas para trás mais de US$ 1 milhão por semana.