Título: A voz moderada na família de Severino
Autor: Ana Carolina Gitahy
Fonte: Jornal do Brasil, 27/03/2005, País, p. A2

Com forte influência sobre o pai, filha progressista do presidente da Câmara defende aborto em caso de fetos sem cérebro e união gay

Do pai, Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente da Câmara, Ana herdou a religião e o gosto pela política, provado por acaso. A educação conservadora dada por um pernambucano tradicional, no entanto, resultou numa mulher mais progressista do que se poderia prever. A deputada estadual, do mesmo partido de Severino, defende a união civil de homossexuais e o aborto em casos de estupro e fetos sem cérebro, propostas que causam arrepios à fé do pai.

Formada em Terapia Ocupacional e Fisioterapia, com passagem pelos principais centros de referência do país e especialização no exterior, Ana não tem medo de contrariar o chefe da Câmara. Ao contrário. Depois de ter intercedido diretamente para convencer o pai da importância do projeto que autoriza pesquisas com células-tronco e de ter participado do encontro com representantes de grupos gays, ela promete entrar na briga pelo direito das mulheres.

Em seu primeiro mandato como deputada estadual, conta com seu poder de influência sobre Severino: conversam todo o santo dia por telefone, quando aproveitam para discutir posições políticas. Nada de enfrentamentos, tudo é negociado.

- Ao contrário do que dizem, meu pai não é retrógrado. Ele é muito aberto ao diálogo.

Tida nos corredores de Brasília como ''um atalho'' para dobrar o presidente da Câmara, Ana Cavalcanti promete se engajar em mais uma polêmica. Vai reforçar o ''lobby caseiro'' para que Severino apóie a proposta de revisão da lei do aborto. Ela faz questão de ressaltar que não interromperia uma gravidez ''em nenhuma hipótese'', mas defende o direito de quem escolher essa alternativa numa gestação de feto sem cérebro. Essa posição está ligada à sua formação na área da Saúde.

Aos 40 anos, mãe de Felipe, 8 anos, Ana faz coro com o Ministério da Saúde, que recentemente editou norma abrindo mão da apresentação de boletim de ocorrência em casos de estupro. Argumenta que não é necessário constranger a mulher a mais esta violência.

Menos intempestiva que o pai, Ana se tornou conhecida no cenário político nacional por tentar conter atuações espontâneas, e nem sempre bem-vistas, do presidente da Câmara. Foi flagrada cutucando Severino num palanque do interior pernambucano, reprimindo-o quando ele contou ao público ter ajudado um motorista alcoolizado a se livrar da polícia.

Apesar do evidente tino para a política, Ana entrou no ramo por acaso. Com carreira consolidada na área da Saúde, aceitou concorrer a uma vaga de deputada depois da morte de um irmão, candidato do pai, havia 45 dias da eleição. Foi eleita e pegou gosto pelo jogo do poder.

Esse mesmo jogo, admite ela, fez com que seu pai, algumas vezes, estivesse ausente na educação dos filhos, criados em grande parte pela mãe, Amélia. Da infância, Ana Cavalcanti, contudo, só traz boas lembranças.

- Os dois souberam conduzir muito bem nossa educação - recorda-se, referindo-se ao passado com seus três irmãos.

A família tradicional não impediu que Ana vivesse uma adolescência com liberdade. Sempre acompanhada dos irmãos, dois homens e uma mulher, ela freqüentou desde cedo boates e teve seu primeiro namorado aos 14 anos. Assegura que o pai se rendeu à fama de bom moço do menino, amigo há muitos anos da família. A confiança nos filhos e ''estratégias de segurança'' conduziram a educação de um pai, segundo a própria filha, ''light''.

- Na nossa casa, os meninos conquistavam o direito a ter carro aos 18 anos. Mas a chave ficava nas mão das meninas. Isso fazia com que eles sempre nos levassem para sair. Assim, nossos pais mantinham o controle para que eles não se excedessem. Eles tinham a responsabilidade de cuidar das irmãs, que também cuidavam deles.

Sempre muito católico, Severino fazia questão da família reunida na missa de domingo. Hoje, embora sua mesa de trabalho seja repleta de imagens da Nossa Senhora e do Menino Jesus, Ana abriu mão do hábito. O presidente da Câmara, diz a filha, não se opôs. Assim como aceitou, sem resistências, o divórcio da deputada há cinco anos.

- Meu pai é muito aberto ao diálogo e confia em mim. Sabe que sou uma pessoa ponderada e que não vou tomar atitudes intempestivas. Por isso ele me ouve tanto - justifica.

Ana assegura que não há intransigência na personalidade do pai. Defende-o com unhas e dentes, como uma referência, apesar de discordar dele em muitos aspectos. Atribui o conservadorismo de Severino à sua geração e à relação com a Igreja. Eventuais declarações polêmicas do pai são, em vez de criticadas, justificadas pela filha como conseqüência de uma conduta ''transparente e determinada''. É o caso de ele ter assumido publicamente ser a favor da nomeação de parentes - ''competentes'' - para cargos públicos sob seu comando.

- Concordo com esse aspecto. Já tive um cunhada que trabalhava como minha chefe de gabinete e era competentíssima. Não podemos descartar um bom profissional por ele ser parente. O problema é que meu pai não tem medo de dizer o que pensa - argumenta.

A fisioterapeuta agradece ao pai pelo incentivo que sempre deu às filhas mulheres, para que estudassem e conquistassem a independência antes de se casarem. Ana descreve um Severino menos severo do que se alardeia em Brasília. Se isso é defesa de filha coruja, os eleitores é que vão julgar.