Título: ''Temos de ampliar a cobrança''
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 27/03/2005, País, p. A3

O senador Romero Jucá diz ter recebido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última terça-feira, ao ser nomeado ministro da Previdência, a tarefa de enfrentar o que considera o maior desafio do Brasil: a redução do bilionário déficit do setor, que suga recursos que poderiam ser aplicados em infra-estrutura e na área social. Enfrentar o rombo, no entanto, causa-lhe menos preocupação do que a relação com a sociedade. ¿ O atendimento é o ponto crucial. O déficit da Previdência impacta o sistema de gestão pública como um todo, mas o que incomoda mais a população é o atendimento ¿ diz Jucá.

O ministro promete reduzir as filas nos postos de atendimento, descentralizando os serviços. Também considera a possibilidade de recadastrar os segurados, a fim de evitar fraudes.

¿ Se for necessária a checagem física, encontraremos uma forma inteligente e respeitosa de chegar aos segurados. Mas não vamos colocar na fila idosos para recadastramento ¿ garante Jucá, criticando, indiretamente, a desastrada tentativa de 2003.

Em entrevista concedida após assumir o gabinete principal do Ministério da Previdência, Jucá reafirma o compromisso de incluir mais brasileiros no sistema previdenciário e apertar o cerco aos grandes devedores. Ex-líder do governo Fernando Henrique Cardoso, ele também diz que o PMDB apoiará a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006.

¿ Mesmo que a meta de reduzir em 40% o déficit da Previdência em dois anos seja alcançada, o rombo projetado para 2005 e 2006 será de mais de R$ 50 bilhões. Haverá nova reforma?

¿ Equilibrar a Previdência é um desafio permanente. Mas antes de fazer ajustes, temos de construir um modelo mais racional e fazer os esforços de corte de gastos, de ampliação de cobrança, de combate à fraude e à sonegação. Outras ações se seguirão. Uma idéia é buscar a ampliação da base de contribuição. Existem milhões de brasileiros fora do atendimento previdenciário. Não contribuem e, dependendo da situação, são demandantes no futuro, por exemplo, de programas sociais, já que não têm condição de se sustentar. Estudaremos formas de ampliar a base. Isso representa arrecadação no primeiro momento, mas também a responsabilidade de construir um modelo que no futuro possa se pagar.

¿ Há uma meta?

¿ Não há meta. Atendemos hoje 23 milhões de segurados. Aumentar a inclusão requer mecanismos que atraiam determinados segmentos. Na questão das donas de casa, está se discutindo uma alíquota menor de contribuição. Mas isso ainda não foi detalhado na emenda paralela, que fala apenas do princípio.

¿ Especialistas dizem que o déficit é provocado não pela Previdência, mas pela Assistência Social. Benefícios pagos sem a contrapartida da contribuição podem ser revistos?

¿ O sistema previdenciário absorveu uma série de mecanismos sociais, de complementação de renda, que são importantes mas impactam a Previdência. Há milhões de pessoas que não contribuíram e que, a partir da Constituição de 1988, começaram a ter direitos assegurados. Isso representa uma parcela importante de transferência de recursos sociais. O ideal é que esses dados possam ser separados, sem paralisação dos benefícios nem mecanismo que iniba qualquer direito ou assistência.

¿ Rever benefícios está descartado?

¿ Está descartado. Vamos rever só benefícios concedidos irregularmente.

¿ A Previdência tem mais de R$ 100 bilhões em atrasados. Recuperou R$ 4,5 bilhões em 2004 e a meta para 2006 é R$ 9 bilhões. Não é modesta?

¿ Na ação administrativa, o índice de recuperação é maior. Na ação judicial, é de 4%, muito baixo. Vamos empreender uma ação mais rigorosa em nível judicial, com execuções eletrônicas, para que possamos ampliar esse índice. Agora, muitas empresas já fecharam, estão insolventes. Tem que se ter cautela ao contar com o recebimento desses recursos.

¿ Como melhorar a cobrança?

¿ Queremos ampliar o espectro para que a Previdência possa receber o que as empresas devem. Em precatórios, em bens, por exemplo. Não acho difícil cobrar dos grandes devedores. Eles serão acompanhados sistematicamente. Ao cobrar dos grandes, beneficiaremos os pequenos, porque quando se discute aumento real de salário mínimo, o déficit da Previdência é o primeiro a influenciar a decisão. Toda a discussão gira em torno de quanto o aumento do mínimo agregará de déficit. Se diminuirmos o déficit, a discussão será mais fácil.

¿ Os segurados serão recadastrados?

¿ Estamos concluindo o cruzamento de dados. Se for necessária a checagem física, encontraremos uma forma inteligente e respeitosa de chegar até os segurados. Há alguns dias, foi preso o vice-prefeito de um município de Pernambuco recebendo uma aposentadoria em nome de uma senhora morta há três anos. É preciso que o sistema não deixe espaço para irregularidade. Mas não colocaremos na fila idosos para recadastramento.

¿ Qual a alternativa?

¿ Poderemos fazer um censo. Há uma série de procedimentos que não criam problema.

¿ Como solucionar o mau atendimento e as filas?

¿ O atendimento é o ponto crucial. O déficit da Previdência impacta o sistema de gestão pública como um todo, mas o que incomoda mais a população é o atendimento. Temos que melhorar, mas não é fácil. Se fosse, os outros já teriam feito. Não acho sensato concentrar atendimento quando não tem como dar vazão à demanda. Temos um sistema tecnológico que não responde à necessidade da velocidade. Tudo será aperfeiçoado. Estamos tendo o cuidado de testar antes. Vamos agir com muita responsabilidade com o cidadão. A idéia é reformular o atendimento e buscar parcerias com os bancos, Correios. Temos de capilarizar o atendimento, evitar fila e perda de tempo.

¿ O senhor pretende negociar mudanças na emenda paralela e no projeto da LOAS, que aumenta em R$ 26 bilhões os gastos da Previdência?

¿ Vamos ter todo o cuidado de acompanhar. A própria Câmara está tomando as providências para rever o projeto da LOAS. Além disso, não passou ainda no Senado.

¿ O senhor é contra esse projeto?

¿ Sou contra. Não é possível ampliar gastos sem ter a recíproca da arrecadação. Acho que não é intenção do Congresso nem de qualquer segmento organizado e consciente do país quebrar o componente do equilíbrio fiscal. A emenda paralela voltará para o Senado. A maior mudança feita na Câmara impacta não o governo federal, mas os estados. Foi o aumento no subteto de alguns salários. Muitos governadores estão se manifestando contra. É importante que os segmentos interessados se manifestem porque é outro ponto de quebra do equilíbrio fiscal. Não sei se a situação dos estados permite um aumento de despesa de pessoal da ordem que pode acontecer.

¿ O senhor já sabe quem vai para o INSS e a Dataprev?

¿ Espero que para o INSS vão todos os brasileiros, pagando contribuição. O INSS tem hoje um presidente interino, que é o diretor de Orçamento e Logística (Samir de Castro Ahtem), existem outros diretores, estamos analisando o quadro. Não tive ainda reunião com a equipe da Dataprev. Vamos fazer os ajustes necessários, com muita tranquilidade, dentro de um aspecto técnico.

¿ Os eleitos terão de obedecer ao ministro?

¿ Todos os setores seguirão as determinações do ministério porque elas são as determinações do governo. O anúncio das medidas foi emblemático. Quem anunciou não foi o ministro Romero Jucá, foi o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estavam presentes os ministros da Casa Civil, da Fazenda e do Planejamento. A equipe econômica chancelando.

¿ O governo gasta mal?

¿ Historicamente, se não toma cuidado, todo governo termina tendo gordura. É cultural. Não acho que o governo Lula gaste mal. Acho que tem procurado o destino social de uma forma forte. O ministro José Dirceu anunciou que 2005 é o ano do corte do gasto administrativo, que acho importante. Não vamos misturar corte de gasto administrativo com corte de pessoal. E nesse aspecto o governo Lula é importante, está contratando.

¿ A máquina estava sucateada?

¿ A máquina estava subdimensionada. Para se ter uma idéia, de 1990 para 2005, o INSS perdeu 16 mil funcionários. Hoje, tem 40 mil. É uma coisa que afeta inclusive o atendimento. O governo Lula está correto ao fazer uma política de pessoal. Agora, é possível reduzir. Vamos procurar racionalizar o sistema para que se gaste menos nos meios e sobre mais dinheiro para se atuar no fim, na agência do INSS que atende o cidadão.

¿ Que comparação o senhor faz entre o governo atual e o anterior, do qual foi líder?

¿ O governo passado avançou bastante em algumas questões, como a responsabilidade fiscal. Empreendeu algumas reformas. Tenho uma relação extremamente respeitosa com Fernando Henrique, mas entendi que poderia colaborar com o país, e o PMDB está sendo importante na governabilidade. Fui convidado para um desafio que é o maior do Brasil. Um déficit de R$ 40 bilhões impacta as finanças públicas, os investimentos em infra-estrutura e no social.

¿ Quem o senhor apoiará em 2006?

¿ Vamos trabalhar pela reeleição do presidente Lula. Faço parte do governo, tenho lealdade e amizade pelo presidente. Entendo que o processo de transformação está ocorrendo e que precisa avançar mais.

¿ O INSS está cobrando a Prefeitura de Boa Vista, comandada por sua mulher (Tereza Jucá), e uma empresa da qual o senhor foi sócio (Frangonorte). Isso afeta a credibilidade do senhor para chefiar a Previdência?

¿ De forma nenhuma. Não devo nada ao INSS. Se alguém apresentar dívida com meu nome, pago à vista. A Prefeitura de Boa Vista apresentou no prazo recurso administrativo dando suas explicações e mostrando que pagou. Se for constatado no fim das contas que deve, pagará. Na questão da empresa que deve ao Banco da Amazônia, há oito anos saí da sociedade e nunca fui gerente. Estou acionando o Basa exatamente por não ter retirado o nome dos ex-sócios. Recorri à Justiça para resolver a questão.