Título: Guerrilha colombiana: um problema regional
Autor: Iara Costa Leite e Mariana Montez Carpes
Fonte: Jornal do Brasil, 27/03/2005, Internacional, p. A9

A polêmica quanto à existência de um documento da Abin que registra uma promessa de doação de US$ 5 milhões das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para a campanha presidencial petista de 2002 vem a corroborar uma situação já bastante conhecida no Hemisfério: a atuação do grupo guerrilheiro em redes que extrapolam a fronteira nacional colombiana. Só no ano de 2005, tiveram destaque na mídia outros três fatos que revelam a desestabilização das relações políticas domésticas e intra-regionais causadas pela atuação das Farc na América do Sul: a suposta vinculação do ¿chanceler¿ da guerrilha, Rodrigo Granda, com o principal suspeito do seqüestro e morte da filha do ex-presidente paraguaio Raúl Cubas; a crise diplomática entre Colômbia e Venezuela resultante da prisão de Granda em território venezuelano em dezembro do ano passado; e o escândalo causado pela circulação de um comunicado das Farc criticando o presidente equatoriano Lucio Gutiérrez por ter deixado de honrar seus compromissos com a organização, ao permitir a captura de sete guerrilheiros que estavam sendo tratados em uma clínica clandestina no Sul de Quito.

Questões como estas demonstram que é urgente que os países sul-americanos comecem a assumir como sua a tarefa de lidar com a transnacionalização das Farc. O governo Lula e os demais países da região vêm unindo forças sem precedentes para a elaboração e o desenvolvimento de projetos de integração que englobam, sobretudo, questões comerciais e de infra-estrutura. Apesar do importante passo dado na última reunião do Grupo do Rio, em que os governos latino-americanos estabeleceram como prioridade a resolução da crise haitiana, persiste um diálogo ainda incipiente no que diz respeito à cooperação regional na área de segurança.

Enquanto isso, os EUA, por meio de sua Agência de Repressão a Entorpecentes (DEA), assumem a dianteira na disponibilização de recursos e treinamento de tropas do Exército colombiano para combater as Farc, grupo que consideram o exemplo mais expressivo de uma das categorias do narco-terrorismo. Sabe-se, porém, que o Plano Colômbia, principal baluarte das atuais operações norte-americanas na América do Sul, vem ocasionando deslocamentos das áreas de cultivo da droga, bem como de grupos envolvidos na atividade, da Colômbia para os países vizinhos, o que pode vir a gerar novas oportunidades de cooperação entre os EUA e outras nações afetadas.

Vale ressaltar que, no mês de fevereiro, a secretária de Estado Condoleezza Rice defendeu a expansão de recursos e a regionalização do Plano Colômbia, além de ter elogiado a política de combate ao narcotráfico e ao terrorismo empreendida pelo governo de Alvaro Uribe.

A atual ofensiva do governo colombiano contra a guerrilha, que ocorre no âmbito do Plano de Segurança Democrática ou Plano Patriota, vem gerando uma série de reações violentas por parte das Farc, que por sua vez alimentam ainda mais os excessos cometidos pelo Exército colombiano. A questão é que, ao subsumir o combate à guerrilha ao discurso da luta da ¿democracia¿ contra o ¿terrorismo¿, o governo Uribe automaticamente justifica a iniqüidade dos meios utilizados, ao mesmo tempo em que adere à visão simplista de que a violência social é um problema em si, e não um sintoma de questões mais amplas.

O presidente colombiano, porém, já não está sozinho em sua maneira de encarar as Farc, como demonstra a reação do presidente paraguaio ao suposto envolvimento do grupo no seqüestro de Cecilia Cubas. Em declarações, Nicanor Duarte defendeu uma guerra conjunta contra o grupo, que considera formado por ¿terroristas tão ricos e com tanto orgulho de derramar sangue que não têm respeito pelas fronteiras nem pelos povos¿.

Apesar da atuação das Farc colocar em risco a estabilidade doméstica dos países da região, o caráter descentralizado e difuso de suas ações evidencia que a solução só pode ser alcançada conjuntamente. Se por um lado, iniciativas individuais ou parcerias bilaterais são ineficientes, por outro a incorporação do discurso americano de classificá-la como uma organização terrorista e estabelecer a guerra como método principal (quando não o único) de combatê-la é equivocada.

Tratar as Farc como um assunto isolado de segurança esvazia o problema dos aspectos políticos e socioeconômicos que lhes são inerentes e que remontam à formação do Estado colombiano e dos demais Estados da região. Seguramente a guerrilha vem transitando cada vez mais entre a legalidade e a ilegalidade nas ações que empreende e na forma como se mantém, o que exige uma coordenação entre os governos sul-americanos das práticas de vigilância e punição. Todavia, o equacionamento efetivo da transnacionalização das atividades criminosas do grupo depende de uma busca de soluções regionais próprias que adicione à noção estrita de segurança a cooperação no âmbito de políticas que tenham como fim o avanço do processo democrático.