Título: Revolução silenciosa
Autor: Olivia Hirsch
Fonte: Jornal do Brasil, 27/03/2005, Internacional, p. A11

Estudo sino-finlandês indica que 2 milhões de chineses se convertem anualmente ao Cristianismo no país

A descrição poderia ser a de qualquer igreja protestante ao redor do mundo: no culto, fiéis cantam hinos, ouvem os sermões e lêem trechos da Bíblia. A peculiaridade é que a cerimônia é realizada na China, onde há algumas décadas a Revolução Cultural liderada por Mao Tsé Tung incendiou igrejas e determinou a prisão de importantes líderes cristãos.

Hoje, segundo um estudo sino-finlandês vinculado à Universidade de Helsinki, 2 milhões de chineses se convertem ao Cristianismo a cada ano, uma das maiores taxas de crescimento da história da religião. Há ainda previsões mais otimistas, como a do autor do livro Jesus in Beijing (Jesus em Pequim), David Aikman, que estima que 300 milhões se converterão nas próximas três décadas, o que transformaria a China em um dos maiores países cristãos do mundo.

Luo Yang, funcionária pública de 38 anos, foi batizada em 1999. Na ocasião, ela não seguia qualquer religião.

- Estava me sentindo muito sozinha naquela época. Foi quando meu professor de inglês, que também é chinês, me convidou para assistir a um culto - conta, por telefone ao JB, de Pequim. - Desde então, tudo vai bem em minha vida. Sempre que tenho um problema rezo e Deus me ajuda.

Como a grande maioria dos estimados 80 milhões de chineses cristãos - que na época da vitória comunista somavam apenas 4 milhões -, Yang freqüenta uma ''igreja familiar'' ou ''residencial''. Os cultos são realizados, clandestinamente, em casas de fiéis. Sua outra opção seria freqüentar a igreja oficial, a Protestant Three Self Patriotic Moviment, que tem sua similar entre os católicos e é controlada pelo Estado. Todos os membros são registrados e os cultos monitorados pelo governo.

- Nessas igrejas há restrições a certas doutrinas, o governo é informado sobre o número de templos que serão abertos e quantas pessoas se formam nos seminários. Tudo é controlado pelo Partido Comunista (PC), que é liderado por ateus - diz Aikman, que foi correspondente da revista Time no país. - Sem qualquer pretensão anti-comunista, os freqüentadores das igrejas residenciais simplesmente acreditam que seu líder é Jesus Cristo, não o PC.

- Na igreja oficial não temos qualquer controle de como gastam nosso dízimo e também não podemos conversar uns com os outros - emenda Yang.

Outro fator curioso entre os novos cristãos chineses é que a maioria dos convertidos hoje é de jovens, urbanos, bem educados e com alto poder aquisitivo, justamente o perfil dos que no Ocidente tomam o rumo contrário. Para o professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Helsinki, Miikka Ruokanen, que atualmente está lecionando em Nanjing, um ''vácuo de valores e crenças'' explica o motivo da procura pelo Cristianismo no país.

- Há certamente hoje na China um grande vazio disso. A atual ideologia tentou eliminar os antigos valores ''feudais'' durante os últimos 50 anos. Mas o próprio comunismo está enfrentando uma crise de credibilidade - observa. - As pessoas educadas sentem o vazio provocado pelo materialismo. Quando já se está obtendo o que quer, é provável que se sinta infeliz por uma necessidade espiritual.

Mas Ruokanen também observa o grande apelo que o Cristianismo tem hoje nas áreas rurais do país.

- Os camponeses vivem sem previdência social, precisam pagar por educação e pela saúde, um contexto que beneficia a religião cristã.

Mesmo que os adeptos não tenham a intenção de ameaçar o governo, David Aikman lembra como a crença naturalmente favorece a democracia:

- A recente revolução na Ucrânia foi arquitetada e apoiada por igrejas estabelecidas há 10 anos no país. Esse grupo entendeu que se a democracia fosse adiante, seus próprios direitos religiosos seriam protegidos. Eles batalharam muito por Viktor Yushchenko.