Título: Um modelo a rever
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Fonte: Jornal do Brasil, 27/03/2005, Opinião, p. A12

Encerra-se na quarta-feira mais um capítulo da polêmica novela da reforma universitária brasileira. Foi o prazo definido para o recebimento de críticas e sugestões ao anteprojeto do ministro da Educação, Tarso Genro. O desfecho do debate, contudo, parece longe de acabar. Uma segunda versão preliminar promete ser divulgada até 15 de abril, quando a sociedade poderá, mais uma vez, avaliar os tópicos propostos antes que o projeto final seja apresentado ao presidente Lula. ''O projeto será de responsabilidade do MEC, que ouviu a sociedade. Não será um frankenstein abrigando propostas contraditórias'', destacou o ministro, em entrevista publicada ontem no Jornal do Brasil. Convém reconhecer o mérito de Genro. Às amistosas palavras do ministro diante dos mais variados debatedores nos últimos meses, acrescente-se a especial disposição em ouvir e discutir os pontos mais polêmicos da reforma que propõe para o Ensino Superior. Há outras virtudes. Não só constitui a primeira oportunidade de definir um claro modelo de autonomia universitária com responsabilidade, como ajuda a identificar vulnerabilidades da universidade. A importância e os méritos do debate, no entanto, não eximem o ministro e sua equipe das amplas e justificadas críticas à concepção do anteprojeto.

O documento atual traz mais de 90 artigos referentes a temas relevantes para as universidades, como autonomia, auxílio estudantil, qualidade e expansão do ensino universitário. Tem méritos e virtudes. Padece, porém, de um vício de origem: enquanto alguns pontos buscam estabelecer padrões de avaliação da produção universitária, outros, contraditoriamente, põem uma pá de cal sobre a meritocracia que deve imperar na educação (em que a instituição das cotas é tão-somente um exemplo).

Um dos mais graves equívocos do modelo do MEC é a inclusão de aspectos ideológicos nas instituições superiores. Entre outras deficiências, encontra-se a transferência das decisões sobre os rumos do ensino e da pesquisa para um conselho constituído por professores, funcionários e líderes comunitários. A mudança beneficia, com especial clareza, os sindicatos e os interesses corporativos. Pode também resultar em investimentos em áreas que não sejam de fato relevantes para o desenvolvimento do país. Ameaça ainda limitar decisões empresariais das instituições particulares.

O ministro reafirmou a existência de um ''verdadeiro caos regulatório'' na educação privada brasileiro. O diagnóstico é correto. A definição de um marco regulatório é um desejo dos próprios empresários do ensino, sobretudo porque o próprio governo Lula reduziu formas objetivas de avaliação de resultados - um dos ganhos obtidos na administração de Fernando Henrique. A solução para o ''caos regulatório'', porém, parece enviesada. Há a interferência demasiada na gestão das universidades privadas. Ao mesmo tempo, a proposta de eleição direta (com participação de professores, estudantes e funcionários) para reitores nas universidades públicas significará um tiro no pé: os candidatos podem vir a atrair votos segundo o grau de comprometimento com a defesa de reivindicações de associações, sindicatos de funcionários e diretórios estudantis. Servirá mais aos interesses do ''eleitorado'' e menos às necessidades do país.

Está-se diante, pois, de um modelo ''intervencionista, estatizante e preconceituoso'', conforme analisou o Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação. Permissivo com as instituições federais e hostil às universidades privadas, o projeto será revisto. Resta saber a intensidade da mudança - um modo de descobrir os efeitos práticos de um saudável e imprescindível debate.