Título: Às margens do paraíso
Autor: Mariana Filgueiras
Fonte: Jornal do Brasil, 27/03/2005, Rio, p. A16

Ilha da Marambaia abriga tesouro histórico oculto

Proibida aos civis e longe da especulação imobiliária, a Ilha da Marambaia dispõe seus tesouros naturais e históricos apenas aos integrantes das Forças Armadas. Localizada no litoral sul fluminense, a ilha, que já abrigou uma fazenda de cana no século 19, com casa-grande, capela e senzala, hoje é dividida entre a Marinha, que lá funciona para treinamentos militares desde 1908, e 115 famílias de remanescentes de escravos. Um quilombo foi fundado logo após a Abolição da Escravatura, em 1888. Desde então, as gerações de descendentes vivem sem luz, sem saneamento básico, sem o direito às terras - mesmo que esse último esteja previsto no artigo 68 da Constituição Federal, que diz: ''aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos''. Na Quinta-Feira Santa, os moradores reuniram todas suas reivindicações para exigir do ministro de Estado e chefe do Gabinete de Segurança Institucional que visitava a ilha, Jorge Armando Felix, condições mínimas de sobrevivência. Foram reunidos num auditório para que pudessem conversar com o ministro pessoalmente.

Os habitantes da ilha, que é uma Área de Proteção Ambiental (APA), esperam o cumprimento do Decreto nº 4.887, publicado em 21 de novembro de 2003 no Diário Oficial, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

Dionato Eugênio Lima, 63 anos, pescador, estava feliz por ter a oportunidade de reafirmar os direitos da comunidade que lidera. Seu Naná, como é conhecido, afirmou que a posse das terra é questão emergencial.

- A gente gosta muito da Marambaia, e não quer sair daqui. Mas a família vai crescendo e é preciso construir novas casas. Estamos esperando o Incra terminar a demarcação, já que fomos reconhecidos oficialmente - justificou Seu Naná, presidente da Arquimar (Associação dos Remanescentes de Quilombos da Ilha da Marambaia).

O laudo com a caracterização dos ilhéus como remanescentes de quilombos, feito pela ONG Koinonia, foi entregue à Fundação Cultural Palmares, órgão governamental, ao Ministério de Desenvolvimento Agrário e ao Incra no início de 2004. Em novembro, os trabalhos de demarcação das terras começaram, mas a presença dos técnicos do Incra foi barrada pela Marinha logo após o carnaval.

De acordo com o capitão-de-mar-e-guerra fuzileiro naval Wilson Luiz de Lima Neves, a suspensão dos trabalhos foi feita pelo comandante geral do corpo de fuzileiros navais, o almirante de esquadra Marcelo Gaya Cardoso, por não ter sido notificado.

- O Incra estava entrando como se tivesse permissão estabelecida - disse Lima Neves.

No auditório, os nativos solicitaram energia elétrica, saneamento básico, escola e medidas de preservação do meio ambiente.

- Infelizmente temos que agredir o meio ambiente porque não temos como escoar o esgoto. O lixo, que não é coletado, acaba indo para o mar - lamentou Vânia Guerra, que assumirá a presidência da Arquimar no dia 10 de abril.

O ministro garantiu que o impasse está chegando ao fim. Segundo ele, todas as solicitações serão levadas ao conhecimento dos Ministérios de Minas e Energia e das Cidades.

- As reivindicações já deram vários passos. Estou aqui para ouvi-los - informou.

O critério para o reconhecimento de uma comunidade quilombola é o da auto-identificação, instrumento semelhante àquele adotado para os povos indígenas. De acordo com o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, este é um dos pontos que podem gerar problemas futuros, como especulação imobiliária e degradação ambiental, se efetivada a posse das terras aos nativos.

- Houve quilombos no local, entendido como quilombos áreas controladas por escravos que fugiram, a exemplo de Palmares ? Basta a auto-declaração de serem descendentes de escravos da área para se ter garantia de que realmente o são? Eliminados os dois pontos anteriores, então se pode tratar seriamente da questão - expôs Cesar.