Correio Braziliense, n. 21254, 03/08/2021. Política, p. 2
TSE abre inquérito contra Bolsonaro
Renato Souza
03/08/2021
Por unanimidade, Corte decide investigar presidente por ameaças às eleições e acusações de fraude no sistema de votação eletrônica. Ministros também pedem que chefe do Planalto seja incluído na apuração sobre fake news, no STF
Depois de ser alvo de uma série de ataques do presidente Jair Bolsonaro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolveu reagir. Por unanimidade, o plenário da Corte abriu inquérito administrativo sobre ofensivas contra a legitimidade das eleições. As diligências miram o chefe do Planalto, que acusa fraude nos pleitos de 2018 e 2014, sem apresentar provas. O procedimento vai apurar, ainda, se nos ataques houve "abuso do poder econômico e político, corrupção, fraude, uso indevido de veículos de comunicação e propaganda extemporânea". Caso a investigação aponte que o mandatário cometeu crimes ou abusos, ele poderá ficar inelegível.
Além do inquérito, o TSE aprovou o envio de uma notícia-crime contra Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do inquérito das fake news, para que ele seja incluído entre os investigados.
A proposta de inquérito no TSE foi lida pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e partiu do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luís Felipe Salomão. "A ameaça à realização de eleições é uma conduta antidemocrática. Suprimir direitos fundamentais, incluindo os de natureza ambiental, é uma conduta antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática", afirmou Barroso.
Ele destacou que o sistema eleitoral é seguro e que não existem irregularidades confirmadas desde que foi implantado. O magistrado lembrou que o país tem 150 milhões de eleitores e que votos impressos precisariam ser transportados, correndo o risco de ataques de grupos criminosos. "Fraudes nunca foram comprovadas, porque não existem, porque não ocorreram. Voto impresso será transportado pelas ruas no país que tem roubo de cargas, no país que tem milícias, que tem PCC, que tem Família do Norte, Comando Vermelho", acrescentou.
Bolsonaro insiste na alegação de o sistema eleitoral no Brasil não é seguro e defende a implantação de voto impresso e da "contagem pública de votos". Em live na semana passada, ele prometeu provar que as urnas são passíveis de fraude, mas limitou-se a mostrar vídeos antigos que circulam na internet e que já foram desmentidos. Na transmissão, ele mesmo admitiu não ter provas de irregularidades no sistema, mas enfatizou que elas existem. O chefe do Planalto também já ameaçou a realização das eleições, caso o voto impresso não seja aprovado no Congresso.
Já em relação ao inquérito das fake news, Bolsonaro é acusado de cometer crime ao colocar em dúvida a integridade e a realização das eleições. Alexandre de Moraes estava no plenário no momento da solicitação e votou a favor do procedimento. "Com a democracia, não se brinca, com a democracia, não se joga", disse o magistrado.
Inviolável
Antes da sessão no TSE, Barroso e ex-presidentes da Corte divulgaram nota em defesa das urnas. "Desde 1996, quando da implantação do sistema de votação eletrônica, jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições. Nesse período, o TSE já foi presidido por 15 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)", diz o comunicado. "Ao longo dos seus 25 anos de existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas de segurança."
A nota recorda que o Brasil tem um contingente enorme de eleitores, o que tornaria a apuração de voto impresso lenta e arriscada. "A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil", enfatiza o texto.
Entre os que assinam a nota, estão os atuais ministros do STF, Edson Fachin, Alexandre de Moraes — que será presidente do TSE durante as eleições do ano que vem —, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux, atual presidente da Corte. Também assinam os ex-ministros Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Britto, Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence.
O único ministro do Supremo que não assinou o texto foi Kassio Nunes Marques, indicado ao cargo por Bolsonaro. Procurado pela imprensa, o magistrado disse não ter sido consultado por não fazer parte da Corte eleitoral. Ele ressaltou, porém, "que o debate acerca do voto impresso auditável se insere no contexto nacional como uma preocupação legítima do povo brasileiro".