Correio Braziliense, n. 21254, 03/08/2021. Política, p. 2

Fux: "Permanecemos atentos aos ataques"
03/08/2021



Horas antes das declarações do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, foi a vez de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, manda uma série de recados ao Planalto, embora num tom menos incisivo.

No discurso de reabertura dos trabalhos do Judiciário, Fux enfatizou que a "independência e harmonia" entre os Poderes não significam "impunidade" com atos que conturbem o funcionamento das instituições. Assim como Barroso, Fux direcionou as declarações ao presidente Jair Bolsonaro, embora não tenha citado o nome do mandatário, que vem, seguidamente, atacando tanto o STF quanto o TSE.

"Harmonia e independência entre os Poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições", frisou. Ele acrescentou: "Permanecemos atentos aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos que se dedicam à causa pública".

O magistrado afirmou que não se tolera irresponsabilidades na condução do país. "Nações que souberam construir instituições fortes, independentes e inclusivas alcançaram ciclos virtuosos de prosperidade. Trago uma advertência, porém: democracia é o exercício da liberdade com responsabilidade. Tratando-se de higidez democrática, não há nada automático, natural ou perpétuo", destacou. "Ao revés, o regime democrático necessita ser reiteradamente cultivado e reforçado, com civilidade, respeito às instituições e àqueles que se dedicam à causa pública. Ausentes essas deferências constitucionais, as democracias tendem a ruir."

Os discursos do presidente do Supremo em defesa de democracia, na abertura dos trabalhos em cada semestre, se tornaram comuns no governo Jair Bolsonaro. No entanto, desta vez, o magistrado procurou usar referências mais diretas. Ele externa o sentimento dos colegas da Corte e do TSE. Eles veem um avanço de declarações antidemocráticas do chefe do Executivo e, agora, também, de militares das Forças Armadas, como os comandantes e o ministro da Defesa, Braga Netto, que, durante o recesso, chegou a publicar nota intimidatória ao Congresso.

Fux destacou o afastamento que juízes devem ter do meio político, evitando envolvimento com situações político-partidárias. "Por outro lado, a sociedade não espera de magistrados o comportamento que é próprio e típico de atores políticos. O bom juiz tem como predicados a prudência de ânimos e o silêncio na língua. Sabe o seu lugar de fala e o seu vocabulário próprio", acrescentou.

Repercussão
No meio político, a repercussão foi imediata. O deputado Paulo Pimenta (PT) criticou o discurso e chegou a dizer que o presidente do Supremo está "acovardado". "O Fux fez uma crítica ao Bolsonaro que mais parece um pedido de desculpas. Ele fala que está atento às inverdades que podem minar a credibilidade das instituições. Me faz lembrar do personagem Rolando Lero, do Chico Anysio...", reprovou. "Aí, termina a fala do Fux, e o Bolsonaro dá uma outra paulada, e o manda se colocar no lugar. É uma desvalorização do Supremo Tribunal Federal. É vergonhoso."

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) viu recado claro ao Planalto. "A mensagem do STF para Jair Bolsonaro foi dada diretamente por Fux, no discurso de hoje (ontem): harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade", escreveu nas redes sociais.

O senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) também aprovou. "Após o recesso, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, faz um duro pronunciamento de foram equilibrada", frisou.

Para Rodolfo Tamanaha, professor de direito constitucional do Ibmec Brasília, cabe ao Judiciário manter a moderação. Ele entende que Fux disse o necessário para deixar clara a posição da Corte. "O discurso foi moderado, mas suficiente. Ele deu o recado que precisava. A própria natureza do Poder Judiciário, que se espera em um sistema democrático, é de dar a última palavra sobre controvérsias que são levadas para além da arena política. Já se espera do Judiciário essa ponderação", afirmou.