Título: Governo recua mas continua no sufoco
Autor: Paulo de Tarso Lyra, Sérgio Prado e Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 30/03/2005, País, p. A3

Com medo da derrota, Planalto decide rejeição total da medida que eleva impostos, mas oposição tenta manter ganho de pessoa física

Para evitar uma derrota histórica no Congresso, o governo, que já havia decidido pela manhã rejeitar a Medida Provisória 232, criada para reajustar a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física em 10% ¿ mas que também aumentaria impostos dos prestadores de serviços ¿ resolveu endurecer o jogo no fim da noite de ontem. Com medo de a oposição aprovar um requerimento garantindo apenas a correção da tabela e derrubando todos os outros pontos da MP, o Planalto decidiu obstruir a votação. Sem quórum no plenário ¿ só foi registrado o voto de 212 deputados, quando o mínimo seria de 257 ¿ a decisão sobre a medida foi transferida para hoje. - A gente poderia até ganhar. Mas já estamos tão escaldados, perdemos tanto nas últimas votações, que o melhor é ganhar mais um dia para conversarmos com os deputados - admitiu o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES).

A primeira prova de fogo do novo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) foi de fato o para valer. A própria base de apoio ao Planalto e o relator, Carlito Merss (PT-SC), manifestaram-se pela rejeição do texto, já que não havia nenhum chance de os partidos aliados votarem a favor da medida. Em troca, o governo se comprometeu com seus aliados a encaminhar, em 15 dias, um projeto de lei restabelecendo a faixa de isenção maior, retroativa a janeiro, para impedir que assalariados tenham prejuízos. O Planalto acreditava que a promessa seria suficiente, mas o pesadelo estava apenas começando.

A oposição apresentou um destaque propondo a votação em separado da correção da tabela. Nem o próprio líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), acreditava que a Mesa acataria o pedido, já que o próprio relator, Carlito Merss, encaminharia pela rejeição de seu texto. Num gesto surpreendente, Severino acatou o pedido, incendiando a oposição e espalhando o terror entre os aliados.

- Apenas sigo o regimento - justificou Severino.

Os discursos esquentaram. Parlamentares do PFL e do PSDB foram à tribuna alegar que quem votasse contra o requerimento, na verdade era contrário à correção da tabela do IR em 10%. Desnorteado, o líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA), não acreditava no que via.

¿É muito estranho, muito ruim quando temos um governo querendo derrubar uma proposta feita por ele mesmo. O sinal de descontrole é total - resumiu Aleluia.

Os líderes aliados começaram a jurar fidelidade ao Planalto, afirmando que havia sido feito um acordo e por isso votariam contra o requerimento, apostando que o governo encaminharia um projeto de lei em 15 dias.

- Esta casa é feita de acordo. Em nome disto, pedimos que nossos deputados votem contra a proposta da oposição - implorou Múcio.

O líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), num misto de perplexidade e euforia, chegou a afirmar que seria melhor para a oposição a derrota do requerimento. Segundo o tucano, enquanto o governo não encaminhar o projeto de lei para o Congresso, apanhará dia e noite da opinião pública.

Chinaglia ainda tentou desmontar o discurso da oposição, lembrando que foi o governo Lula quem chamou as centrais sindicais para propor a correção da tabela. Acrescentou que o governo Fernando Henrique disparou os juros, sucateou o patrimônio e empobreceu o país. Não deu certo. Temendo a derrota, o PT foi o primeiro partido da base a entrar em obstrução.

A iminente derrota da MP representa uma vitória para a oposição, empresários e bancada ruralista, que desde a edição da MP condenavam as regras que aumentaram a carga tributária das prestadoras de serviço e ampliaram o arrocho sobre pequenos produtores agrícolas. Caso o destaque seja aprovado, o Planalto sofrerá nova derrota, pois garantirá que sete milhões de brasileiros continuem sendo beneficiados com a correção da faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda (IR), de R$ 1,058 mil para R$ 1,164 mil.

A nova proposta também pode trazer fontes de financiamento para a correção, que implica uma perda de arrecadação de R$ 2,5 bilhões, segundo o Fisco. Na MP 232, a fonte era a ampliação da base de cálculo, de 32% para 40%, das prestadoras de serviço que pagam IR e CSLL com base em lucro presumido. A medida renderia R$ 1,5 bilhão ao Fisco em 2006.

A demonstração decisiva de que o governo havia perdido a guerra da propaganda dentro e fora do Congresso sobre o tema ocorreu na noite de anteontem. Foi numa reunião entre os líderes da base governista no Congresso com Antonio Palocci (Fazenda), Paulo Bernardo (Planejamento) e Jorge Rachid (secretário da Receita Federal). Os parlamentares enfatizaram que a medida provisória não tinha mais como ser defendida e que eram infrutíferas quaisquer concessões, pois estava consolidada nas bancadas a idéia de aumento de imposto.