O Estado de São Paulo, n. 46551, 31/03/2021. Política. p. A8

 

 

 

 

Ex-Ministro e generais rejeitam 'aventura'


Na véspera do 31 de março, Etchegoyen diz que Forças não deixarão de ser instituições de Estado e ideias de golpe vão gerar 'frustração'

 

Marcelo Godoy

 

O ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Sérgio Etchegoyen afirmou ontem que as Forças Armadas não serão "fator de instabilidade no País". "Independentemente de quem estiver no comando, elas nunca vão deixar de ser instituição de Estado." Disse conhecer os generais do Alto Comando do Exército. "Sei do que estou falando." E concluiu que, se algum setor do governo estiver pensando em golpe, "a frustração será grande".

Em entrevista à Rádio Gaúcha, Etchegoyen expôs um sentimento comum a outros generais ouvidos pelo Estadão. Nos últimos dois dias, a reportagem ouviu oito oficiais-generais do Exército e da Força Aérea e dois coronéis da ativa e da reserva sobre o momento atual. deforma unânime, todos rejeitaram qualquer"aventura".

"Pode ser que uma dessas dimensões (do governo) imagine uma coisa dessas, mas seria uma ingenuidade e uma falta de percepção e conhecimento imperdoáveis. Seria mais um general Assis Brasil com o dispositivo militar, garantindo ao Jango que não ia acontecer nada", afirmou o ex-ministro do GSI, na véspera do 31 de março, dia em que o então presidente João Goulart foi deposto em 1964.

Assis Brasil era o chefe da Casa Militar de Jango. Ele manteria uma rede de apoios militares que defenderia o governo. Tal dispositivo não impediu a derrubada de Goulart, a quem os militares acusavam de tentar dar um golpe. Etchegoyen conhece essa história. Seu pai, o general Leo Etchegoyen, estava no Rio em 31 de março de 1964, ao lado do então coronel-aviador João Paulo Moreira Burnier. Ambos se uniram ao governador da Guanabara, Carlos Lacerda, um dos líderes civis da conspiração.

 

'Aventura '. Para um tenente brigadeiro, os militares pagaram um preço muito alto na "última aventura" (o golpe de 1964) e têm a "Argentina ao lado para saber o que é retaliação". O brigadeiro afirmou que a geração formada nos anos 1980 é avessa a "aventuras". Um general chamou a atenção para o fato de o Alto Comando, assim como os generais de divisão, terem a mesma visão contrária ao uso político da Força. Um dos que têm repetido que "não há a menor possibilidade de aventuras com a participação do atual Alto Comando" é Francisco de Brito, atualmente na reserva. Não só ele. O ex-ministro da secretaria de Governo Carlos Alberto Santos Cruz também repetiu ontem que as Forças Armadas não entrarão em nenhuma "aventura".

Para o ex-ministro Etchegoyen, "em todas as rupturas que tivemos, houve apoio popular". "Não se faz uma aventura desse jeito. Nós teríamos um repúdio internacional. O Brasil viraria um pária definitivo." Para ele, há muitas pessoas que, de tempos em tempos, pegam um "lençolzinho verde-oliva para sair à rua, assustando as crianças". "Esse governo tem faces distintas. Tem uma face de infraestrutura, executiva e competente, uma face política desastrosa e uma desconhecida, a guerrilha digital."

No fim, Etchegoyen disse não ver ameaças da parte do presidente Jair Bolsonaro. "Isso vem muito mais de atos de outras frentes. O presidente tem sido impedido de governar em muitas coisas que são competência exclusiva dele. E são coisas que não começaram hoje."

 

Perspectiva

"Não se faz uma aventura desse jeito. Nós teríamos um repúdio internacional. O Brasil viraria um pária definitivo."

Sérgio Etchegoyen

EX-MINISTRO-CHEFE DO GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL

 

 

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Comandante do NE é cotado para lugar de Pujol no Exército

 

 

 


Novo ministro da Defesa, general Braga Netto vai entrevistar nomes para chefiar as Forças Armadas

 

 

 

BRASÍLIA

 

ERALDO PERES/AP
Avaliações. Jair Bolsonaro deixa o Palácio da Alvorada: presidente pode repetir Dilma e quebrar tradição na indicação do chefe do Exército

 

O presidente Jair Bolsonaro poderá repetir a ex-presidente Dilma Rousseff e quebrar uma tradição no Exército se decidir nomear como próximo comandante do Exército o general Marco Antônio Freire Gomes. Comandante militar do Nordeste, Gomes é o nome mais cotado nos bastidores do governo para substituir o comandante do Exército, Edson Leal Pujol, mas o presidente tem sido aconselhado a considerar outro nome para não criar atritos com generais mais experientes. O novo ministro, general Braga Netto, vai conversas hoje com os cotados para Exército, Marinha e Aeronáutica.

Na hierarquia militar, os recém exonerados comandantes estavam acima do novo ministro da Defesa, Braga Netto, pelo critério de antiguidade. No Exército, a tradição da escolha dos comandantes obedece à antiguidade dos generais de quatro estrelas, ou seja, quem tem mais tempo no topo da carreira.

Em 2015, a então presidente Dilma ignorou isso e escolheu de uma lista tríplice o general Eduardo Villas Bôas, que à época era comandante de Operações Terrestres. Villas Bôas era o terceiro na ordem. Ela foi a última a desconsiderar o critério, mas também houve casos anteriores, nos governos Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Freire Gomes tem uma passagem recente pelo Planalto. Foi secretário executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Michel Temer. Apesar de ter a preferência no Planalto, pesa contra ele o fato de ser muito "moderno", o que pode provocar insatisfações na hierarquia militar e uma série de mudanças administrativas, caso seja nomeado. Segundo militares que acompanham a negociação, para nomeá-lo Bolsonaro sem quebrar a tradição o presidente teria de "aposentar" seis generais mais antigos.

Na Força Aérea Brasileira, a lista é encabeçada pelos tenentes-brigadeiros do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior, do Comando Geral de Apoio, Luiz Fernando de Aguiar, do Comando de Preparo, e Marcelo Kanitz Damasceno, chefe do Estadomaior da Aeronáutica.

Baptista Júnior é o mais cotado. Nas redes sociais, ele costuma divulgar mensagens otimistas sobre a vacinação no País, em linha com a estratégia de comunicação do Palácio do Planalto, além de curtir críticas de deputados e influenciadores bolsonaristas a "comunistas". Esse comportamento é bem visto no Planalto.

Na ordem de antiguidade da Marinha estão os almirantes de esquadra Alípio Jorge Rodrigues da Silva, comandante de Operações Navais, Almir Garnier Santos, secretário-geral do Ministério da Defesa, e Marcos Silva Rodrigues, chefe do Estado-maior da Armada.

 

 

 

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A Natureza da crise vai permanecer

 

ANÁLISE: Gunther Rudzit

 

A demissão do ministro da Defesa, general Azevedo e Silva, é mais uma escalada da tensão nas relações entre o presidente Jair Bolsonaro e Marinha, Exército e Aeronáutica. Portanto, não é uma crise entre ele e o general, nem somente com o Exército, mas com as Forças Armadas. As indicações são de que tenha havido um apoio de oficiais-generais do Exército à candidatura do ex-capitão Jair Bolsonaro à Presidência, refletida no número inicial de militares nos ministérios. Mas é notório que a relação entre estes e o presidente deteriorou-se rapidamente pela ação de outro círculo mais íntimo de Bolsonaro, de seus filhos e seguidores digitais.

Para se compreender melhor esse afastamento, há que se separar as declarações de militares da ativa e da reserva. O pessoal da reserva, na grande maioria com visão de mundo arraigada à Guerra Fria, vê a fala dos bolsonaristas como a concretização de suas aspirações. Esta não é a realidade dos oficiais da ativa, com perfil de carreira mais profissional. Além dos cursos muito mais especializados que antigamente, frequentam mestrados e doutorados, no Brasil e exterior. E são fiéis seguidores da máxima que o general Castelo Branco estabeleceu, a despolitização dos quartéis.

A nomeação do general Braga Netto não pode ser interpretada como uma intervenção direta do presidente nas Forças Armadas, pois esta é uma prerrogativa do presidente. Assim, a substituição dos comandantes é o tema mais delicado neste momento. Hoje, os generais que compõem o Alto Comando do Exército têm o mesmo perfil, ou seja, de não politização das tropas. Essa postura não mudará quem quer que seja escolhido. Assim, pode haver uma mudança na forma na relação entre o novo comandante e o presidente, mas não na essência. Com isto, a tensão deve diminuir, mas não desaparecerá.

PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA ESPM. ESPECIALISTA EM SEGURANÇA NACIONAL E EX-ASSESSOR DO MINISTRO DA DEFESA (2001-02)