Correio Braziliense, n. 21255, 04/08/2021. Política, p. 4

A trincheira do voto impresso
Augusto Fernandes
04/08/2021



Comissão Especial da Câmara se prepara para neutralizar articulação bolsonarista em favor de mudança no sistema de votação. Segundo parlamentares, live do presidente sem comprovação de fraudes enfraquece movimento contra a urna eletrônica

A Comissão Especial da Câmara que analisa a proposta de emenda à Constituição (PEC) para instituir o voto impresso definirá amanhã se aceita ou não o texto substitutivo à matéria elaborado pelo deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator do tema. O cenário é desfavorável para o parlamentar, que ainda não conseguiu reverter a orientação da maioria dos integrantes do colegiado, e a tendência é de que o parecer dele não seja aprovado, enterrando as discussões da pauta defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.

A postura de Bolsonaro nas últimas semanas também deve ser um fator decisivo para que a PEC não avance no Congresso. O fato de ele ter feito um anúncio em TV aberta para apresentar as fraudes das urnas eletrônicas, mas na verdade ter recorrido a materiais que já foram desmentidos e não ter entregado nada de concreto, foi avaliado por deputados como um sinal de que não há motivos para se mudar o sistema eleitoral.

Parlamentares também reprovam o chefe do Executivo pelas críticas diárias ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, e à Corte eleitoral. Segundo Fernanda Melchionna (PSol-RS), o Congresso não pode embarcar nessa tese e, portanto, tem de rejeitar a PEC do voto impresso. "Seria um absurdo, depois das declarações do Bolsonaro, a comissão aprovar um projeto que representa um retrocesso e que serve apenas para criar espantalhos diante da crescente rejeição ao governo do presidente", pondera. "Não podemos fazer coro a um discurso golpista, ainda mais depois de ter sido aberto um processo administrativo contra Bolsonaro pelas falas absurdas contra o processo eleitoral", acrescenta a deputada.

Apesar disso, o relator Filipe Barros tem uma última cartada. Ele procurou o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, na esperança de que o governo conseguisse construir um acordo com os deputados que compõem a comissão especial. Ciro foi escolhido por Bolsonaro para chefiar a Casa Civil justamente para melhorar a interlocução do Palácio do Planalto com o Congresso Nacional. Dessa forma, Barros aposta na experiência do ministro como parlamentar para mudar o jogo. Segundo o deputado, Ciro não pode se furtar a defender uma matéria que interessa a Bolsonaro.

De todo modo, os deputados do colegiado não acreditam que a interferência do ministro seja capaz de dar sobrevida à pauta. Isso porque o texto de Barros não agrada à comissão especial, por deixar bem claro que a cédula impressa com os votos de cada eleitor não servirá apenas para fins de auditoria, que era o objetivo inicial da PEC formulada por Bia Kicis (PSL-DF).

O parecer do deputado também prevê que ela será o único meio utilizado durante a apuração em algumas seções eleitorais. A urna eletrônica, dessa forma, serviria apenas para os eleitores digitarem os números dos candidatos. As informações coletadas pelo aparelho seriam descartadas.

"Enquanto estiver em andamento o processo de implantação gradual, a apuração nas seções eleitorais equipadas com módulo impressor será realizada, exclusivamente, com base nesses registros. Nas demais seções eleitorais em que o registro impresso do voto não estiver ainda implementado, a apuração ocorrerá com base nos registros eletrônicos", diz o texto do relator.

De acordo com Barros, a apuração apenas com as cédulas de papel não seria passível de fraudes porque essa contagem seria automatizada, com a utilização de equipamentos de contagem dos votos que permitam a verificação visual do conteúdo de cada voto. Esse procedimento, segundo o parlamentar, evitaria desvios na contabilização dos votos.

O substitutivo prevê que a apuração nas seções equipadas com módulo impressor seja realizada pela mesa receptora de votos nas seções eleitorais imediatamente após o término do período de votação, sendo facultada a presença de eleitores, nos termos de regulamentação a ser expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segurança

Há um temor, entre os deputados que compõem a comissão especial, de que a implementação desse sistema coloque as eleições em risco. A manipulação dos votos é o que mais preocupa os parlamentares, que alertam para a possibilidade de violação das cédulas de papel e de demora para o fim da apuração dos votos.

"A apuração vai acontecer dentro das zonas eleitorais. Muitas delas são inacessíveis e tomadas pela milícia. Serão toneladas de papéis manipulados por mesários. Imagina a confusão. Cédulas serão roubadas, votos serão falsificados. Como controlar tudo isso? Vai resultar em uma judicialização sem fim", reclama Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Para Hildo Rocha, (MDB-MA), caso Barros mantenha o texto da forma como está, a matéria não será aprovada. Mesmo assim, o parlamentar diz que, por conta da politização do tema, alguns deputados não devem mudar o entendimento sobre a PEC. A última sessão do colegiado, antes do recesso parlamentar de julho, foi marcada por discussões acaloradas. O relatório deveria ter sido votado naquele encontro, mas parlamentares governistas conseguiram adiar.

"Bolsonaro não tem interesse nenhum na aprovação dessa matéria, ele só quer fazer barulho, e isso atrapalha", analisa Rocha. "Não acredito que as urnas eletrônicas sejam fraudulentas ou frágeis de alguma forma, mas sou a favor de que tenhamos mais segurança na hora da votação. Contudo, a proposta do relator facilita a fraude e a quebra do sigilo do eleitor. Em vez de melhorar vai piorar", completa o deputado.