Correio Braziliense, n. 21256, 05/08/2021. Política, p. 2

Judiciário anuncia outra contraofensiva
05/08/2021



Em um único dia, o presidente Jair Bolsonaro sofreu dois reveses no Judiciário. No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes atendeu ao pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e incluiu o chefe do Planalto no inquérito que apura fake news. E na Justiça Eleitoral, o corregedor-geral, Luis Felipe Salomão, solicitou a Moraes o compartilhamento de informações obtidas em inquéritos da Corte que tenham relação com ações contra a chapa de Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão por disparos em massa no pleito de 2018.

Na decisão em que incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news, Moraes anexou o link da live da última quinta-feira, em que o chefe do Executivo deu declarações infundadas e alegou fraudes nas eleições, sem apresentar provas. Na transmissão, o mandatário também disparou ataques ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE e integrante do STF.

"O pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, se revelou como mais uma das ocasiões em que o mandatário se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal — imputando aos seus ministros a intenção de fraudar as eleições para favorecer eventual candidato — e o Tribunal Superior Eleitoral, no contexto da realização das eleições previstas para o ano de 2022, sustentando, sem quaisquer indícios, que o voto eletrônico é fraudado e não auditável", assinalou Moraes na decisão, de 15 páginas. O candidato, sempre citado por Bolsonaro, é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de intenção de voto.

Moraes determinou a oitiva dos envolvidos na live de Bolsonaro, que contou com a estrutura do Planalto e transmissão ao vivo pela TV Brasil, emissora pública. Entre os alvos estão o suposto especialista em tecnologia da informação, que apresentou uma simulação amadora para levantar suspeita de fraude nas urnas eletrônicas. Na transmissão, foram reproduzidos vídeos antigos de boatos que circulam na internet sobre irregularidades eleitorais.

Em sua decisão, o ministro apontou que as declarações de Bolsonaro contra o sistema de votação inflamaram ameaças, ataques e agressões contra o processo eleitoral. De acordo com ele, as condutas relatadas na notícia-crime configuram, em tese, os crimes de calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa.

"Não há dúvidas de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de direito e a democracia; revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa — identificada no presente Inquérito 4781 e no Inquérito 4874 — que, ilicitamente, contribuiu para a disseminação das notícias fraudulentas sobre as condutas dos ministros do Supremo Tribunal Federal e contra o sistema de votação no Brasil", enfatizou Moraes, no despacho.

A notícia-crime contra Bolsonaro foi apresentada ao STF, na noite de segunda-feira, por Barroso. Na ocasião, o presidente do TSE solicitou a averiguação de "possível conduta criminosa" relacionada ao inquérito das fake news. O pedido foi aprovado por unanimidade pelos ministros da Corte eleitoral.

Além da investigação criminal, Bolsonaro se tornou alvo de inquérito administrativo no TSE. O procedimento foi aprovado por unanimidade, na segunda-feira, atendendo ao pedido de Luis Felipe Salomão. A ação vai apurar se, ao promover uma série de ataques sem provas às urnas eletrônicas, o chefe do Planalto praticou "abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea".

O desfecho das investigações pode tornar Bolsonaro inelegível, caso ele seja responsabilizado criminalmente, além de levar à impugnação de eventual registro de sua candidatura a um segundo mandato.

Chapa

Sobre os processos no TSE relativos à chapa Bolsonaro/Mourão, o presidente e o vice são investigados por, supostamente, terem contratado serviços irregulares de disparo em massa de mensagens nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2018.

As ações foram movidas pela chapa O povo feliz de novo, formada por PT, PCdoB e Pros, que concorreu no segundo turno daquele ano e pede a cassação da chapa por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social.

O teor das apurações que correm em paralelo no TSE e no STF se aproximam, pois os alvos investigados, apesar de distintos, podem integrar a mesma "organização criminosa, de forte atuação digital, dotada de núcleos políticos, de produção, de publicação e de financiamento, cujas atividades teriam se desenvolvido após o pleito de 2018 (2020 em diante)"