Valor Econômico, n. 5240, 03/05/2021. Brasil, p. A2

 

Pandemia é fator de aumento de risco fiscal em 2022, aponta PLDO

Edna Simão

03/05/2021

 

 

Documento alerta ainda para o fato de a União cada vez mais honrar dívidas não pagas por Estados e municípios

Com a pandemia de covid-19, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2022 mostra o aumento dos riscos fiscais devido à forte expansão do endividamento público no ano passado. O anexo V do documento alerta ainda para o fato de a União estar sendo acionada cada vez mais para honrar dívidas não pagas por Estados e municípios e para o elevado patamar das demandas judiciais.

O coordenador-geral de Planejamento e Riscos Fiscais do Tesouro Nacional, Pedro Ivo Ferreira de Souza Júnior, disse ao Valor que é difícil quantificar o efeito da pandemia, mas o impacto é notório, por exemplo, no aumento do risco de refinanciamento da dívida publica e nas incertezas com relação ao comportamento das receitas e despesas ao longo do tempo.

A pandemia se mantém como fator de aumento de risco fiscal em 2022. Uma mudança do cenário dependerá, segundo o técnico do Tesouro, de aprovação de reformas estruturantes que contribuam para diminuir o endividamento no médio prazo, condição necessária para a retomada da economia.

Ele ressaltou que as medidas adotadas pelo governo para minimizar os efeitos do coronavírus na economia fizeram com que as despesas e, consequentemente, o endividamento do setor público disparassem em um cenário fiscal que já não era dos melhores. Desde 2014, o país registra resultado negativo e a expectativa é que o retorno de superávit primário aconteça apenas a partir de 2027. A forte expansão dos gastos ainda provocou distorção na visualização dos efeitos dos choques macroeconômicos.

“As incertezas continuam. O risco [aumentado devido à pandemia] tende a ser reduzido com o tempo. O governo já começou a sua campanha de vacinação. A expectativa é que se vacine quantidade significativa da população ao longo de 2021. Isso gera efeito positivo no mercado de trabalho, no PIB”, explicou o coordenador-geral.

“Não podemos descartar a insegurança da crise desta pandemia. A gente está vivenciando a segunda onda. Estamos com um processo de vacinação caminhando de forma positiva. O governo está alerta a esses pontos. Não conseguimos quantificar [impacto do coronavírus no aumento do risco fiscal], mas um ponto de alerta de que o governo está atento. À medida que for ocorrendo necessidade de atuação, o governo atua.”

O coordenador-geral repetiu a fala de outros membros da equipe econômica de que o governo gastou mais que outros países emergentes para conter a pandemia e que, devido ao elevado endividamento, a margem para adoção de novas medidas é cada vez menor.

De acordo com o anexo do PLDO, a redução do percentual da dívida vincenda em 12 meses é uma condição importante para a diminuição do risco de refinanciamento, pois essa métrica indica a proporção do estoque da dívida que deverá ser honrada no curto prazo.

“A margem de cobertura da reserva de liquidez para pagamento de vencimentos em 2022, particularmente, dependerá da extensão dos impactos das medidas fiscais em resposta à pandemia e ao estado de calamidade em curso sobre as necessidades de financiamento do Tesouro Nacional, bem como das condições de mercado para a emissão de títulos da dívida mobiliária em 2021”, informa ainda o relatório.

Outra preocupação do governo elencada no anexo de riscos fiscais é o elevado patamar das demandas judiciais. O total de ações contra a União somou R$ 2,017 trilhões no ano passado, uma redução de 8,5% ante 2019. A baixa aconteceu porque as chamadas demandas judiciais de risco possível (sem repercussão geral e que o governo acredita ainda ter chance de reverter) tiveram uma queda de 14,5% passando de R$ 1,540 trilhão em 2019 para R$ 1,316 trilhão em 2020.

Por outro lado, as demandas de risco provável (que já estão provisionadas no Balanço Geral da União) aumentaram de R$ 664,1 bilhões em 2019, para R$ 701,7 bilhões em 2020, uma alta de 5,7%. Além disso, o anexo mostra que os valores efetivamente pagos pela União seguem em alta desde 2013. No ano passado, foram pagos R$ 51,5 bilhões, o que corresponde a 2,6% da despesa primária total.

Em 2020, também aumentou o risco assumido pelo governo com relação a operações de crédito. O total de empréstimos garantidos pela União passou de R$ 255,9 bilhões em dezembro de 2019 para R$ 296 bilhões em dezembro do ano passado.

Com o agravamento da situação fiscal dos governos estaduais e municipais, entre 2016 e 2020, a União passou a ter que honrar dívidas não pagas por estes entes, o que não havia ocorrido no período entre 2005 a 2015. O total de dívidas honradas pelo governo federal em 2020 foi de R$ 13,3 bilhões, representando aumento de cerca de 60% ante 2019 (R$ 8,4 bilhões). Segundo o anexo de riscos fiscais, a previsão é que a União terá que honrar mais R$ 9,5 bilhões neste ano e outros R$ 9,4 bilhões em 2022.

O estoque das contragarantias de operações de crédito não executadas também está subindo. No fim do ano passado, era de R$ 33,5 bilhões, sendo 28% decorrentes de ações judiciais contra a União impetradas pelos Estados de Amapá, Goiás, Maranhão, Minas Gerais e Rio Grande do Norte e 72% decorrentes de avais a recuperar sob o Regime de Recuperação Fiscal.