Correio Brazilense, n. 20681, 06/01/2020. Política. p. 6

 

 

 

 

 

APOSTAS NO INVESTIMENTO

Rosana Hessel

 

 

 

 

Depois de anos em contração, os investimentos produtivos têm tudo para puxar o crescimento da economia para cima em 2020. Tanto o governo quanto o setor privado acreditam que, enfim, está chegando a hora de tirar das gavetas os projetos de expansão dos negócios que ficaram mofando por total falta de confiança na capacidade do país de sair do atoleiro ao qual foi jogado pela mais severa recessão da história. Para a equipe econômica, a retomada dos investimentos virá, sobretudo, dos programas de concessões e de privatizações, que não decolaram em 2019 — a estimativa é de que mais de 100 estatais sejam vendidas. Entre os empresários, o consenso para que o quadro de expansão mais forte do Produto Interno Bruto (PIB) se consolide passa pela continuidade das reformas, a começar pela tributária.

O otimismo se reflete nas projeções do Banco Central, que elevou de 2,9% para 4,1% a expectativa de aumento dos investimentos — Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no jargão econômico —, sinalizando retomada mais forte desse indicador, que foi o primeiro a registrar queda antes da recessão, em 2013. O investimento é o principal motor para o crescimento sustentado da economia. No Brasil, ainda é muito baixo em proporção do PIB, estando longe do pico de 20,9% alcançado sete anos atrás. A perspectiva é de que, entre 2019 e 2020, tenha passado de 15,8% para 16% do PIB, seguindo em alta de até 18,4% em 2028, segundo cálculos da Tendências Consultoria. Nas estimativas da 4E Consultoria, os investimentos só voltarão a ficar acima de 20% em 2030, mas isso não garante um crescimento econômico contínuo acima de 3% ao ano.

Sílvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), ressalta que a taxa de investimento do início da década, perto de 22% do PIB, era artificial e, portanto, será difícil recuperá-la tão cedo. "Aquele investimento era resultado da má alocação de recursos por parte do governo, com custo fiscal muito alto, o qual, por sinal, estamos pagando até hoje, vide o desequilíbrio das contas públicas. Mas a boa notícia é que a retomada dos investimentos é uma realidade", afirma.

Ela vê com bons olhos esse movimento, ainda que seja gradual. "O investimento deverá ter uma aceleração, que começamos a ver em 2019, com a recuperação da construção civil, que saiu do terreno negativo e cria mais otimismo para 2020. O bom é que esse crescimento não ocorre apenas em São Paulo. Há um vigor generalizado em várias regiões", destaca Sílvia. Segundo ela, no entanto, parte do avanço do PIB virá da redução da capacidade ociosa da indústria, que sofreu demais com a recessão e o pessimismo de empresários e consumidores.

 

Condições
Otimismo à parte, o empresariado impõe uma série de condições para ampliar as fábricas e, por tabela, o emprego. Além da continuidade das reformas estruturais, pregam a arrumação definitiva das contas públicas. Para os donos do dinheiro, a aprovação da reforma da Previdência no ano passado foi passo importante para a continuidade do ajuste fiscal, mas é preciso mais, pois a previsão é de que o país só volte a ter contas no azul em 2022. Não é só. Os empresários também defendem a manutenção das taxas de juros em níveis baixos. A taxa básica (Selic) está em 4,5% ao ano, permitindo que o custo do crédito ao setor produtivo caísse muito.

Outro ponto relevante para que os investimentos na ampliação dos negócios não fique na promessa: a estabilidade das regras. Como se sabe, ao longo dos últimos anos, os empresários foram surpreendidos por uma série de medidas intervencionistas por parte do governo, que criaram insegurança jurídica. Há, ainda, a defesa para a preservação do meio ambiente, pois a piora da imagem do Brasil nesse quesito inibe a entrada de recursos estrangeiros no país e fecha portas para produtos nacionais. E, claro, a melhora do mercado externo, já que o acirramento de conflitos, como o que se vê entre os Estados Unidos e o Irã, eleva o custo do petróleo e desestabiliza os preços das principais moedas.

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a confiança maior dos empresários já pode ser vista no setor da construção. "Esse segmento está retomando as forças de forma mais intensa. Isso pode ser medido pelo aumento das vendas de cimento, um indicador antecedente importante. Vemos um crescimento bem razoável espalhado pelo país, especialmente no Centro-Oeste, no Sul e no Sudeste. Ainda há dificuldade grande no Nordeste em todos os indicadores", avalia. A construção civil responde por quase a metade da Formação Bruta de Capital Fixo e por boa parte dos empregos menos qualificados.

"O investimento deverá ter uma aceleração, com a recuperação da construção civil, que saiu do terreno negativo e cria mais otimismo para 2020"
Sílvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV

 

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Sem espaço para frustração

Sem capacidade de investir, já que as contas públicas estão no vermelho desde 2014, o governo não pode se colocar no caminho do setor produtivo, avaliam especialistas. Há, no inconsciente dos donos do dinheiro, uma série de estripulias que empurraram o país para a recessão e resultaram em prejuízos para muitos negócios. Se sentirem qualquer sinal de frustração, os investidores vão pisar no freio, e o resultado será mais um ano de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Para o economista Alberto Ramos, diretor do banco Goldman Sachs, tudo indica que a economia terá um desempenho melhor em 2020. E o crescimento poderá ser disseminado, com aumento dos investimentos privados e das concessões e privatizações, caso deslanchem. Ele ressalta, porém, que ainda existem pedras no caminho. "Há uma preocupação de que o ímpeto reformista do Congresso se deteriore", destaca.

Na avaliação de Sílvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), investimentos maiores no setor produtivo afastam a possibilidade de pressão do consumo sobre a inflação. Ela acredita que a demanda das famílias terá incremento contido, por causa do choque de preços dos alimentos no fim de 2019, cujos efeitos deverão se estender pelo primeiro trimestre deste ano. "Os meses de inflação no chão ficaram para trás, o que corrói o poder de compra das famílias. Por isso, vemos certa estabilidade no consumo por bens e serviços", diz.

 

Ressalvas
Segundo a economista Juliana Inhasz, professora do Insper, existe uma torcida para que o investimento e o consumo puxem o PIB neste ano, mas ainda não há evidências de que isso se confirmará. Do lado positivo, a baixa taxa de juros incentiva os investimentos. Mas, do negativo, há o desemprego elevado, lembra. "Em 2019, havia a expectativa de que, com o novo governo, tudo mudaria. Mas os problemas continuaram os mesmos", explica.

O economista Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), aponta que, para o PIB voltar a registrar expansão acima de 3% ao ano, o governo precisa manter a agenda de ajustes, e os juros precisam continuar baixos. "A velocidade das reformas é que vai sinalizar o momento ideal para os empresários voltarem a investir", afirma. Segundo ele, a produção agrícola, que tem peso crescente na expansão da economia, continuará crescendo neste ano, com novo recorde na produção de grãos. (RH)