Valor Econômico, n. 5241, 04/05/2021. Política, p. A8

 

Disputa presidencial deve permear depoimento de Mandetta à CPI

Renan Truffi 

Vandson Lima

04/05/2021

 

 

Henrique Mandetta e Nelson Teich estão previstos para falar aos parlamentares nesta terça

O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, senador Omar Aziz (MDB-AM), iniciou na manhã desta terça-feira a sessão para o primeiro depoimento ao colegiado. A testemunha que abrirá os trabalhos é o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que deixou o governo durante a primeira onda da pandemia de covid-19 por discordâncias com o presidente Jair Bolsonaro. Também está prevista uma sessão para hoje à tarde, às 14h, com o ex-ministro Nelson Teich.

Na CPI, Mandetta afirmou que o presidente Jair Bolsonaro tinha em seu entorno pessoas que faziam um “assessoramento paralelo” e o teriam convencido em decisões contrárias ao que ele pregava. O ex-ministro revelou que Carlos Bolsonaro, filho do presidente, participava e tomava notas em reuniões ministeriais. Carlos é vereador no Rio de Janeiro, não tendo nenhum cargo no governo federal.

Na quinta-feira, deve falar o atual titular da Saúde, Marcelo Queiroga. Após o depoimento dele, a comissão deverá fazer uma oitiva com o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres.

As eleições de 2022 serão o pano de fundo do depoimento do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia, o primeiro a ser realizado hoje pelo colegiado. Considerado uma carta na manga pelo DEM, que busca uma terceira via para as eleições do ano que vem, Mandetta não deve esperar tranquilidade na comissão. Ao contrário, enfrentará jogo duro tanto por parte da esquerda, que busca rivalizar com ele no palanque político, como também por parte da base bolsonarista, que irá fazer um contraponto às críticas do ex-ministro. 

O PT, por exemplo, é uma das bancadas que vão pressionar Mandetta durante o depoimento. Na visão do partido, o ex-ministro da Saúde deu respaldo à política negacionista de Bolsonaro enquanto esteve no cargo. Depois, dizem os petistas, mudou de postura e saiu atirando como forma de se viabilizar politicamente. “[Sergio] Moro e Mandetta não se diferenciam em nada. Ninguém quer dar vida fácil a ele. A CPI não será um palco florido pra ele desfilar”, disse uma fonte da legenda. Apesar de o PT só contar com um integrante na CPI, o senador Humberto Costa (PE), ao menos quatro senadores da sigla devem se revezar no interrogatório do ex-ministro.

Os petistas sabem que Mandetta é um dos nomes mais cotados pelas legendas de centro para quebrar a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que começa a se fortalecer nas pesquisas de intenção de voto. Mandetta deixou a gestão Bolsonaro mais de um mês após o início da crise de saúde, em abril de 2020. Na ocasião, adotou tom pacífico em relação à postura do presidente da República, a quem chamou de “humanista”.

O depoimento do ex-ministro à comissão colocará o próprio DEM em situação delicada. O partido não esconde que pretende fortalecer o médico para a disputa presidencial. Ao mesmo tempo, a legenda de ACM Neto é representada na CPI pelo senador Marcos Rogério (RO), que é vice-líder do governo Bolsonaro. O parlamentar já defendeu que Mandetta não pode ser cobrado à luz das informações conhecidas hoje, mas disse que sua filiação ao DEM não o impedirá de questionar o ex-ministro.

“A minha posição no depoimento [do Mandetta] vai ser a mesma que vou ter em relação a todos os sabatinados na CPI. Não vai ser diferente. Não há porque agir de modo diferente, pelo fato de ele ser do Democratas. Não é a orientação partidária que define meu comportamento na CPI. O partido não impõe [isso] e jamais fez qualquer contato para ter uma postura ou outra na comissão. Não há interferência, até hoje não houve”, disse Marcos Rogério ao Valor.

Nos bastidores, interlocutores do DEM dizem, no entanto, que não esperam uma postura “agressiva” de Mandetta na CPI. Na visão de alguns integrantes da sigla, é “muito cedo” para que o médico adote uma postura eleitoral, principalmente numa CPI. Em vez disso, Mandetta deve se mostrar “equilibrado”, o que evitaria os embates com a troque de choque bolsonarista.