Valor Econômico, n. 5242, 05/05/2021. Política, p. A10

 

Bolsonaro tinha assessoria paralela, diz Mandetta

Vandson Lima

Renan Truffi

Matheus Schuch

05/05/2021

 

 

Ex-ministro critica Guedes e afirma que filho do presidente participava das reuniões ministeriais

No primeiro dia de depoimentos na CPI da pandemia, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta colocou na conta do presidente Jair Bolsonaro ações que contrariaram a ciência e contribuíram para a disseminação do vírus e agravamento da pandemia, que já matou 411.854 pessoas no Brasil.

Segundo Mandetta, Bolsonaro ignorou prognósticos e recomendações técnicas, optando por um “assessoramento paralelo” que incluía seu filho, Carlos Bolsonaro, que participava até de reuniões ministeriais. “Testemunhei várias vezes reuniões de ministros em que o filho do presidente, que é vereador no Rio, estava sentado atrás tomando notas. Eles tinham constantemente reuniões com esses grupos [ligados a Carlos] dentro da Presidência”, relatou.

Mandetta também fez críticas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que teria induzido o presidente a evitar ações como um “lockdown” para evitar maiores prejuízos à economia, segundo ele. “Esse ministro Guedes é desonesto intelectualmente, um homem pequeno para estar onde está. Não ajudou em nada. Pelo contrário, falava assim: ‘já mandei o dinheiro, agora se virem lá e vamos tocar a economia’. Talvez [ele] tenha sido uma das vozes que tenha influenciado o presidente”. A equipe econômica, insistiu Mandetta, sabia da gravidade da situação, mas ignorou os alertas. “O distanciamento da equipe econômica era real. Recados ao ministro não eram respondidos. Havia uma visão menor sobre a gravidade [da crise]. No início da pandemia, o ministro estimava que a economia do Brasil cresceria 2%”, lembrou.

Integrantes da CPI pretendem aprovar a convocação tanto de Carlos Bolsonaro quanto de Guedes, além do ex-chefe da assessoria de Comunicação Social (Secom), Fabio Wajngarten. Já o ex-ministro Eduardo Pazuello pediu o adiamento de seu depoimento, A oitiva foi remarcada para o dia 19.

Mandetta revelou que chegou a ser avaliado, em reunião ministerial, um decreto que alterasse a bula da cloroquina e o remédio fosse indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento da covid-19. A cloroquina é um medicamento para o tratamento de malária e não há comprovação científica de sua eficácia contra a covid.

“Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação de cloroquina para [o combate ao] coronavírus”, contou. A sugestão não foi levada à frente após a objeção do presidente da Anvisa.

Relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) avaliou que o depoimento de Mandetta, que durou cerca de sete horas, foi um importante indicativo de que Bolsonaro foi o principal culpado por eventuais erros nas ações do governo na pandemia.

“O depoimento mostrou que houve aconselhamento paralelo, adoção da cloroquina ao arrepio do Ministério da Saúde, participação de Carlos Bolsonaro em reuniões e alerta sobre as 180 mil mortes [até o fim de 2020]”, disse. “Bolsonaro divergiu das orientações científicas, no isolamento e na cloroquina. Foi um depoimento importante na minha opinião para clarear exatamente o que ocorreu naquele momento inicial”, complementou.

Já do lado dos governistas, as perguntas se repetiram, essencialmente, sobre se Mandetta não poderia ter tomado medidas antecipadamente, como pedir o adiamento do carnaval, ou o motivo de não ter apoiado o chamado tratamento precoce, com uso de medicamentos sem comprovação científica. Ele lembrou que, à época, não se tinha noção do que viria a acontecer, tanto que representou o Brasil no Fórum Econômico em Davos, no fim de janeiro de 2020. “Não tinha ninguém de máscara. O mundo estava ainda andando”.

Em momento constrangedor, Mandetta foi questionado pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI) sobre ter recomendado que as pessoas só procurassem auxílio médico caso já estivessem com sintomas avançados, e se isso não o tornava responsável pelo alto número de mortes.

Só que o ex-ministro havia recebido na véspera, por engano, exatamente a mesma pergunta do ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN), em seu celular. Faria apagou a mensagem na sequência, contou Mandetta.

O incidente reforça a ideia de que o governo tem orientado senadores governistas da CPI.

Na semana passada, “O Globo” mostrou que requerimentos apresentados pelo mesmo Ciro Nogueira e por Jorginho Mello (PL-SC) defendendo a convocação de médicos que defendem tratamento precoce tinham registros de uma servidora do Palácio do Planalto.

Mandetta eximiu de culpa as Forças Armadas, alegando que ministros da ala militar queriam sua permanência. Mas avaliou que o país não passaria por uma segunda onda de infecções caso a equipe à frente do Ministério da Saúde fosse “técnica” - o general Eduardo Pazuello ocupou o cargo durante a maior parte da crise sanitária.