Correio Braziliense, n. 21260, 09/08/2021. Economia, p. 7

O custo Bolsonaro
Rosana Hessel
09/08/2021



Crise institucional detonada pelo presidente da República complica o cenário econômico. Risco fiscal volta a preocupar analistas, que até então monitoravam apenas a pressão inflacionária. Projeções preveem juro básico de 8% até o fim de 2021

As bravatas do presidente Jair Bolsonaro estão custando caro para os brasileiros. A cada fala polêmica do chefe do Executivo, cresce a insegurança política e econômica no país. Consequentemente, o dólar sobe e pressiona a inflação, que já está alta em razão da crise hídrica e da retomada global. O apetite do dragão, por sua vez, aumenta o trabalho do Banco Central, que também sinalizou maior preocupação com a piora nas contas públicas.

O "custo Bolsonaro" é um dos fatores que contribui para o BC a ampliar o ritmo de alta da taxa básica da economia (Selic). Na última quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, elevou a Selic em 1,0 ponto percentual, para 5,25% ao ano. Na ocasião, a autoridade monetária mudou o discurso e reconheceu que a inflação não é temporária. Reforçou, ainda, os temores de aumento do risco fiscal por conta do aumento das incertezas domésticas.

Para cada ponto percentual a mais na Selic, o custo da dívida pública bruta cresce em R$ 30,8 bilhões no acumulado em 12 meses, segundo dados do BC. Logo, essa fatura já está em R$ 130,9 bilhões, considerando as altas da Selic desde março, e deverá continuar subindo. O colegiado ainda sinalizou que continuará a aumentar os juros para acima do patamar neutro, ou seja, de 6,5% a 7% ao ano. Essa medida retardará o processo de recuperação da economia em meio a um cenário de dólar valorizado neste ano e no próximo, pelas projeções do mercado.

Após a decisão do Copom, as apostas de especialistas para a Selic no fim do ano passaram para 7,5% e 8%, com a possibilidade de os juros básicos subirem para 8,5% ao ano em 2022. Algumas previsões para a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), já ultrapassam 7% para este ano, bem acima do teto da meta, de 5,25%. E, para 2022, também tendem a se aproximar do teto da meta no ano que vem, de 5%.

A decisão do BC reforça o cenário de preocupação com as ameaças do governo partir para o descontrole fiscal, com medidas inconstitucionais, como o adiamento do pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União — e a burla do teto de gastos. Sergio Vale, economista da MB Associados, avalia como correta a decisão do BC em apertar o ciclo monetário diante da piora do cenário macroeconômico. "Mesmo a inflação sendo de oferta, a contaminação das expectativas para os meses seguintes tende a aumentar. A inflação mais elevada pode aumentar a inércia e o BC precisa evitar uma inflação mais elevada em 2022", afirma. Em relação à piora no cenário por conta da nova crise institucional, ele considera que o BC só atuará indiretamente. "Ele não tem como entrar em questões políticas. O limite é dado pela inflação e pelo fiscal. Se a política fiscal sair do controle, os juros teriam que subir muito mais. Mas é um risco mais para quem entrar em 2023", complementa.

Crise política
Há outros fatores preocupantes. O governo prepara um pacote de medidas que deve aumentar os gastos públicos e ameaçar o teto de gastos. Entram na cesta de bondades o novo Bolsa Família, subsídios para o gás e para o diesel e outras medidas que têm deixado os agentes financeiros e especialistas apreensivos. Para piorar, o Congresso aprovou o novo Refis, que extrapolou as expectativas da equipe econômica e complicou a situação fiscal do governo. Não bastassem os desafios econômicos, há uma crise política grave.

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, destaca que o mercado está ancorado na regra do teto e na trajetória do deficit primário. O risco fiscal havia sido deixado de lado por conta da inflação. "A inflação mais alta eliminou o risco de descumprimento do teto. Ela ajudou a melhorar a arrecadação, e o risco acabou saindo do radar do mercado. Agora, ele voltou, porque começou a olhar para 2022, quando a arrecadação não deverá ser tão boa. Para piorar, entrou nesse cenário mais uma crise institucional", alerta. De acordo com ele, mesmo com a manutenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, até o fim do governo, "o clima político está pior do que o de agosto do ano passado", quando o chefe da equipe econômica ameaçou deixar o governo.

"A crise política que estamos enfrentando, sem dúvida, exerce uma influência sobre as decisões da autoridade monetária. Até certo modo ou certo ponto, essa crise política também aumenta o risco fiscal do país, que nunca desapareceu do radar totalmente. Quem analisa com cuidado a economia brasileira sabe que isso é uma questão fundamental e complexa", explica o economista José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

O especialista também reconhece que o BC acerta ao priorizar o combate à inflação, mesmo com o risco de comprometer a retomada da atividade com a elevação da Selic acima do patamar de juros neutros. "A inflação é o que há de pior para a economia. O Brasil já tem um histórico muito ruim de inflação, e, portanto, não pode brincar com ela. Se ela voltar de forma permanentemente alta, será um horror", alerta o ex-diretor do BC.

Contudo, ele reconhece que o processo inflacionário atual é global e diferente de todos os outros, e, por conta disso, não é possível criticar as ações do BC. "É indiscutível que o processo inflacionário tem surpreendido todo mundo pela persistência. E no Brasil, esse risco é maior, pelo histórico e pelo desequilíbrio fiscal, que são muito sensíveis pelo que acontece no dia a dia. Mesmo que seja temporária, a inflação está demorando para ceder e está afetando as expectativas futuras, e elas precisam ser ancoradas", explica Senna.

Na avaliação de Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, o BC precisa impor um viés de alta nas projeções de alta da Selic devido à deterioração fiscal. "O próprio BC diz isso no comunicado quando fala que o balanço de riscos é assimétrico para cima por conta da questão fiscal", avalia. Para ele, o risco Bolsonaro já está precificado pelo mercado. "O problema é que, com a necessidade dessa PEC dos precatórios, abriu-se uma Caixa de Pandora perigosa", conta.

Fatura cara
Questão fiscal volta para o radar do mercado com nova crise institucional e sinalização populista do presidente Jair Bolsonaro, que reflete negativamente no câmbio, acaba ajudando a pressionar ainda mais a inflação e pressiona os juros

Evolução da taxa Selic

Reunião Copom Taxa em  % ao ano

Dez/18 6,50

Set/19 5,50

Out/19 5,00

Dez/19 4,50

Fev/20 4,25

Mar/20                3,75

Mai/20 3,00

Jun/20 2,25

Ago/20 2,00

Set/20 2,00

Out/20 2,00

Dez/20 2,00

Jan21    2,00

Mar/21                2,75

Mai/21 3,50

Jun/21 4,25

Ago/21 5,25*

Dez/21 7,75**

Dez/22 7,75**

*Decisão do Copom da última

quarta-feira (4/8)

**previsão da MB Associados

Dívida avança

 Dados acumulados no ano mostra que, em valores, endividamento do país continua aumentando

Evolução da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG)

Mês       R$ trilhões          % do PIB

Dez20   6,615    88,8

Jan21    6,670    89,4

Fev21    6,744    90,0

Mar21 6,721    89,1

Abr21   6,665    85,6

Mai21   6,696    84,6

Jun21    6,729    84,0

Crescimento acumulado no ano  R$ 114 bilhões

Cenários 

Veja algumas projeções da MB Associados dos principais indicadores macroeconômicos no último relatório quinzenal

Item      2020      2021*   2022*

PIB (em%)          -4,1        4,7         1,8

IPCA (em%)        4,5          7,0         4,0

Selic (em%)        2,0          7,75       7,75

Câmbio R$/

US$ fim do ano                 5,15       5,20       5,60

Taxa de desemprego

média (em %)    13,5       14,3       12,0

2020      5,15

2021      5,20

2022      5,60

Investimento estrangeiro na Bolsa

 Saldo líquido de compras e vendas de ações ao longo do ano por investidores residentes no exterior, incluindo IPOs, ficou negativo em julho pela segunda vez no ano

Mês Saldo           Em R$ bilhões

Jan         25,297

Fev         1,93

Mar       -4,612

Abr        12,572

Mai        17,063

Jun         17,249

Jul          -8,250

Ago        0,927

Saldo em 2021 62,185

Risco país 

Prêmios de risco voltaram a subir e indicador da capacidade de pagamento do país piora, voltando a patamares próximos aos de março

Classificação      País        Rating S&P         CDS/5 anos

1             Suécia   AAA       8,50

2             Reino Unido       AA          9,35

3             Estados Unidos                 AA+       9,52

6             Alemanha           AAA       9,90

19           China    A             38,69

22           Grécia   BB           72,20

23           Indonésia            BBB        78,74

24           Rússia   BBB-      84,20

25           México BBB        95,07

26           Brasil     BB-         181,90

27           Turquia                B             377,69

Fontes: Banco Central, MB Associados, B3 e World Government Bonds

 8,5%

previsão do mercado para a taxa Selic no fim do ciclo de alta em 2022

R$ 30,8 bilhões 

custo de aumento da dívida pública bruta no acumulado em 12 meses, de acordo com o BC