Correio Braziliense, n. 21260, 09/08/2021. Política, p. 3

Judiciário trava luta solitária contra Planalto
Ingrid Soares
09/08/2021



As investidas do presidente Jair Bolsonaro contra integrantes do Poder Judiciário, em especial os ministros do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, obrigaram a mais alta Corte de Justiça a deixar de lado a moderação. Conhecido pelo apreço à institucionalidade, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, cancelou uma reunião marcada para ocorrer entre os chefes dos Três Poderes. O encontro tinha precisamente a finalidade de acalmar os ânimos já exaltados. "Quando se ataca um integrante desta Corte, se ataca a todos", justificou Fux, na quinta-feira passada.

Fux foi além. Na sexta-feira, deixou claro o descontentamento em encontro com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que não esboçou reação alguma em meio às falas excedentes de Bolsonaro. Em notas oficiais, ambos reconheceram a importância do diálogo permanente entre as duas instituições. Paralelamente aos movimentos de Fux, uma carta pública assinada por subprocuradores-gerais da República pediu que Aras atue para coibir ataques do presidente ao TSE e ao STF. De acordo com o texto, o procurador deve "agir enfaticamente" para proteger a democracia.

Apesar das reações no Judiciário, o analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis, ressalta que a contenção do STF é insuficiente para reduzir a tensão institucional. "É necessária ainda a adesão das forças democráticas e da opinião pública com relação aos temas em disputa que são o voto impresso, relações institucionais e a reação às bravatas".

O analista acredita que Bolsonaro não tende a baixar o tom. "Podemos ter uma desagregação política inédita após a redemocratização no século passado. E uma tensão permanente até que o destino de Bolsonaro se consuma. O cenário é de conflagração institucional com pouca solução. A alternativa seria uma pressão do parlamento (poder ausente) para encontrar uma entente até as eleições", destaca.

O cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Aninho Irachande também considera necessária uma reação institucional mais enérgica. "O Judiciário está se posicionando de forma clara e contundente diante das investidas do Presidente, mas é uma pena que esteja sozinho. O que considero mais grave é a omissão ou conivência do Poder Legislativo com as reiteradas investidas contra a democracia e contra os processos democráticos, representação, partidos, sistema eleitoral, minorias, direitos e liberdades", acrescenta.

Para ele, a contenção às ações do presidente não deveria partir do ministro Luiz Fux, até porque ele representa um dos Poderes reiteradamente atacados pelo presidente. "O melhor é que cada instituição cumpra seu dever constitucional sem meios termos", avalia Irachande.

Implicações jurídicas
O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, faz um paralelo entre as implicações políticas e jurídicas no embate Bolsonaro-Judiciário. "As autoridades exerceram o que está na Constituição: atuar como freio e contrapeso aos outros Poderes. O limite dessas ações, juridicamente, é o tempo da Justiça, e as decisões dos juízes a partir da coleta de provas e testemunhas e de tudo que o presidente já produziu. O resultado disso pode não apenas caracterizar crime de responsabilidade — o que daria início a um processo de impeachment, ainda que improvável —, mas tornar Bolsonaro inelegível em 2022", expõe.

Prando considera delicada a situação do presidente na dimensão jurídica e política. "A Justiça tem respondido dentro da legalidade, investigando o presidente. O resultado deve vir em algum momento. Politicamente, isso também o enfraquece. A dimensão jurídica precisa de um tempo mais longo. Já a dimensão política, possui consequências imediatas", ressalta.