Correio Braziliense, n. 21260, 09/08/2021. Política, p. 2

Teste de governabilidade em meio à crise
Israel Medeiros
09/08/2021



A crise institucional detonada pelo presidente da República e a chegada de Ciro Nogueira, líder do Centrão que passou a ocupar a chefia da Casa Civil, levantam questões sobre a governabilidade da gestão de Jair Bolsonaro. Se, por um lado, o tensionamento entre o Planalto e o Supremo Tribunal Federal provoca forte instabilidade política, a entrada de um dos líderes do Centrão no governo pode melhorar a relação entre o Executivo e o Legislativo, no momento em que o presidente da Câmara — do mesmo partido de Ciro Nogueira — pretende avançar na aprovação de pautas e se mostra reticente em relação à abertura de processo de impeachment. O novo ministro da Casa Civil também é visto como importante para melhorar a interlocução com o Senado, palco da CPI da Pandemia e instituição que guarda uma distância regulamentar do Palácio do Planalto.

"Uma das missões do Ciro Nogueira é arrumar o meio de campo também no Senado para o governo. Porque lá é uma fonte diária de dor de cabeça para o governo, que é a CPI da pandemia. O governo precisa sobretudo que a agenda econômica continue caminhando, que o Ciro arrume o meio de campo no Senado. É desafiador, mas ele é um craque quando o assunto é articulação", observa Kramer.

O entendimento com o Congresso se torna necessário na medida em que o governo precisa construir uma agenda positiva, com vistas a 2022. Diante da perda de popularidade, Bolsonaro tem apostado em ampliar programas sociais – e precisa do apoio do Congresso para levar essa estratégia adiante. O governo já revelou que o novo Bolsa Família, chamado de Auxílio Brasil, será anunciado em breve pelo ministro da Cidadania, João Roma, e será pago a partir de novembro. Não há, no entanto, um valor definido. O presidente já chegou a falar em R$ 400, o que é inviável segundo a equipe econômica, que faz cálculos para que o benefício seja de R$ 250 a R$ 300, com um custo de R$ 25 a R$ 30 bilhões. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, já há espaço orçamentário para isso.

Os R$ 400 citados por Bolsonaro, segundo especialistas, são uma tentativa de obter popularidade e, por consequência, apoio político, mesmo que isso custe caro para a União. "A proposta de buscar dinheiro até nos precatórios para financiar um aumento do Bolsa Família, isso faz parte de uma estratégia eleitoral do presidente Bolsonaro. Se o Brasil sair da pandemia, as reformas derem resultado, o Centrão não vai abandoná-lo. Se por qualquer motivo a popularidade vier abaixo, se surgir uma nova onda da pandemia que ponha por terra a vacinação, paralise a economia, a inflação dispara e você tem um cenário em que a popularidade vai cair e muito", explica Kramer.

Cargos e verbas
Já David Fleischer, cientista político e professor emérito da UnB, tem uma visão mais crítica. Segundo ele, há uma clara perda de governabilidade de Bolsonaro. Fleischer acredita que o presidente está ameaçado diante da crise criada com o Judiciário. Para o analista, a decisão de Lira de levar o voto impresso a plenário constitui um movimento para agradar o presidente. "Se observarmos os deputados que votaram a favor e contra na Comissão Especial, há vários do Centrão que rejeitaram o voto impresso. Lira disse que apesar disso, vai levar para o plenário. Bolsonaro perde governabilidade, mas não presta atenção ou não liga. Ele continua falando besteira e atacando o Judiciário", comenta.

Fleischer aponta, ainda, que as tentativas do governo de ampliar programas sociais, em uma investida populista, encontram obstáculos orçamentários difíceis de serem superados. "Quando o auxílio emergencial era de R$ 600, isso aumentou a aprovação do Bolsonaro. Mas depois de meses sem nada, o auxílio foi reduzido para R$ 300, e a aprovação dele caiu. Esses lances populistas esbarram na questão fiscal. Estão tentando achar um jeitinho para driblar isso, adiar precatórios e várias outras jogadas. Mas é difícil", completa.

Para o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS), a governabilidade enfrenta um momento delicado. O parlamentar acredita que o Centrão precisa decidir logo se continua, de forma tácita, ao lado do presidente em sua cruzada antidemocrática, ou se deixa o mandatário isolado, com a justificativa de que apoia a democracia. "O presidente já desatou o tecido político a tal ponto que o Centrão precisa fazer uma opção: ou faz uma opção golpista ou democrática, desvinculando-se do presidente. O Centrão é quem fornece oxigênio para a escalada golpista do presidente. O Centrão seria um coautor do golpe, uma vez que está trabalhando pela sobrevivência política do governo", afirma.

Sobre a crise com o Judiciário, Trad entende que a situação já foi longe demais. "Várias vezes essas tentativas foram feitas para tentar conter os ímpetos autoritários do presidente. Não creio que o Ciro Nogueira conseguirá fazê-lo, porque isso é inerente à personalidade autoritária do Bolsonaro. Se o Ciro conseguir reverter isso, bom para o país. Caso contrário, nossa única alternativa seria o impeachment", conclui.