Correio Braziliense, n. 21262, 11/08/2021. Política, p. 5

Um silêncio que diz muito
Bruna Lima
Sarah Teófilo
11/08/2021



Apesar de calar na CPI, tenente-coronel da reserva Helcio Bruno deixou claro para os senadores o seu envolvimento com esquemas fraudulentos de compra de vacina, a relação íntima com altos personagens do governo e o envolvimento na propagação de mentiras

O depoimento do tenente-coronel da reserva do Exército Helcio Bruno de Almeida, presidente do Instituto Força Brasil (IFB), ontem, à CPI da Covid, foi marcado por silêncios comprometedores — estava protegido por um habeas corpus parcial obtido no Supremo Tribunal Federal (STF) — que expuseram seu envolvimento não apenas num esquema de intermediação de compra de vacinas contra o novo coronavírus, mas, também, na disseminação de mentiras contra os imunizantes e a pandemia. Ele é suspeito de articular um encontro entre membros do governo federal e representantes da Davati Medical Supply, que ofertou supostos 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca, sem qualquer conexão com a farmacêutica.

Apesar de ter repetido, mais de 60 vezes, a expressão "por orientação dos meus advogados, permanecerei em silêncio", ainda assim caiu em contradição nas poucas vezes que respondeu aos senadores. Em seu discurso de abertura, Helcio afirmou que jamais esteve em qualquer jantar com o cabo da Polícia Militar de Minas Luiz Paulo Dominghetti, apontado como vendedor autônomo da Davati.

No entanto, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), mostrou uma foto em que apareciam reunidos Helcio, Dominghetti e o reverendo Amilton Gomes de Paula, presidente da ONG Secretária Nacional de Assuntos Humanitários (Senah). Ele negou conhecer o reverendo antes desse encontro, mas se contradisse ao responder que o religioso "aventou a possibilidade de o IFB compartilhar sua agenda no Ministério da Saúde com os representantes de tal empresa (Davati) para que eles pudessem explicar ao ministério as condições de sua oferta de vacinas".

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) colocou em cheque a narrativa de que o coronel da reserva não era próximo de figuras do governo. Disse que Helcio, junto com outros dois coronéis, tiveram 23 agendas com o primeiro e o segundo escalão do atual governo, desde o início até junho deste ano. "Todos têm envolvimento com empresas de consultoria e assessoria de empresas que tenham ou tentam ter relacionamento com o governo federal. Mesmo assim, o senhor informa que não faz intermediação de negócios, nem é lobista?", provocou.

Fake news

Os senadores também deram ênfase à atuação da entidade presidida por Helcio. Trouxeram várias postagens do IFB criticando ministros do STF, publicando desinformações sobre as vacinas, defendendo medicamentos ineficientes contra a covid-19, reproduzindo ataques do presidente Jair Bolsonaro às instituições e propondo intervenção militar com o fechamento do Supremo e do Congresso. Irritado com a postura do militar da reserva, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), lembrou-lhe que construiu a carreira no Exército durante no período democrático — além de cursos no exterior, Helcio serviu aos presidentes Fernado Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Já o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou prints nos quais o militar da reserva ataca o STF e mostrou que o IFB é responsável por vários sites e redes sociais propagadoras de mentiras. Ironizou, inclusive, as críticas que Helcio fez à ministra Cármen Lúcia, que lhe concedeu o direito de calar na oitiva. "Ainda bem que ela não caiu, não é coronel? Porque isso possibilitou que o senhor se utilizasse do direito ao silêncio. Espero que pensem duas vezes antes de pedir o fechamento do STF. Sempre será necessário recorrer a eles para ter garantia dos direitos constitucionais", alfinetou.

Segundo a senadora Simone Tebet (MDB-MS), "esse coronel coloca na plataforma do instituto só matérias a favor da imunidade rebanho e do tratamento precoce, contra a vacina. E ele, que não acredita na imunização, inclusive não se vacinou, tenta comercializar vacina com o ministério, tentando ganhar dinheiro em cima de algo que ele não acredita".