Título: Muita conversa para evitar derrota
Autor: Paulo de Tarso Lyra e Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 29/03/2005, País, p. A3

Governo intensifica contatos e trama adiamento da votação da MP 232, que aumenta impostos das prestadoras de serviços

O governo quer ter certeza da fidelidade dos aliados e das chances de vitória antes de votar a Medida Provisória 232, que corrige em 10% a tabela do Imposto de Renda (IR), aumenta a carga tributária das prestadoras de serviço e amplia o arrocho sobre o setor agrícola. A confirmação da inclusão da matéria na pauta de hoje da Câmara levou o líder do governo na Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), a reunir os líderes da bancada governista na noite de ontem para apresentar as mudanças realizadas no texto. A intenção de Chinaglia era mostrar todos os avanços promovidos pelo relator Carlito Merss (PT-SC), depois de negociações com a Receita Federal, tirando o verniz político do debate em torno da MP. - Não houve ainda espaço para entrarmos no mérito. Precisamos mudar o foco para que os líderes também apresentem as alterações para suas bancadas - declarou Chinaglia.

O líder do governo confirmou a intenção de ganhar um tempo maior, já que, até a noite de ontem, não havia certeza da aprovação da MP 232. Chinaglia queria ouvir dos aliados qual a posição de cada um e afinar o discurso para evitar uma derrota na primeira votação após a alteração no modelo de coordenação política.

- Preciso ver se temos uma vaca ou um bife - brincou o petista.

Chinaglia confirmou que o governo poderá usar manobras regimentais, inclusive a obstrução da votação das duas MPs anteriores à 232, para postergar a discussão da medida. O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, foi ontem até o Congresso conversar, entre outros, com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Alegou que era uma visita política, para manter um canal de diálogo com o Legislativo. E negou que tenha pedido diretamente a Severino o adiamento da votação da MP.

- O nosso esforço é para que a MP 232 tenha um desfecho bom para a sociedade, para o governo e para a Câmara - declarou Aldo.

Os líderes aliados não demonstravam ontem à tarde muito tentusiamso com a votação da matéria hoje. O líder do PP na Câmara, José Janene (PR), é um dos que est]ao apoiandoa proposta de adiamento da votação.

- Precisamos de tempo para analisar. Esta MP está estigmatizada como a maldade do ano, não tem jeito - confirmou Janene.

O líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro (PE), prometia atenção na reunião de ontem à noite. A exemplo de Janene, não estava muito animado com o ''pacote de bondades'' prometido pela equipe econômica para vencer as resistências à medida provisória.

- Podem colocar o que quiser, bondades e maldades, que não vai ter jeito. Ninguém vai ver o conteúdo mesmo - disse Múcio.

O relator da MP, Carlito Merss (PT-SC), ainda tinha uma nova reunião na noite de ontem com a equipe econômica, para ver se é possível conseguir mais uma concessão da Receita. O governo também conta com o fato de a MP entrar em vigor em primeiro de abril, para forçar o fechamento de um acordo em relação ao relatório do Merss.

- A MP 232 original não existe mais. Só quem critica o texto atual são os sonegadores e aqueles que defendem a elisão fiscal - disse Merss.

O relator convenceu o governo a incluir no texto que chegou à Câmara um pacote de benefícios extras a diversos setores da economia. Um deles é a isenção de PIS/Cofins e IPI para fabricantes de software que exportem pelo menos 80% da produção. Outro é o aumento, de R$ 1,164 mil para R$ 2,9 mil, do limite de isenção para retenção na fonte de 1,5% de IR no caso de caminhoneiros.

Alterações também foram realizadas em diversos artigos da MP original. De acordo com o texto do relator, prestadoras de serviço que gastem pelo menos 20% do faturamento com folha salarial estarão livres do aumento da base de cálculo da CSLL e do IR de 32% para 40%. Prestadora que gaste com encargos trabalhistas 15% do faturamento arcará com apenas 25% do aumento de oito pontos percentuais da base de cálculo. E assim por diante, até a situação das prestadoras sem funcionários, que não terão direito a abatimento.

A MP editada trouxe a ampliação da base de cálculo como forma de compensar em parte a perda de arrecadação com a correção em 10% da tabela de IR, estimada em R$ 2,5 bilhões. A expectativa de arrecadação do governo era de R$ 1,5 bilhão. Se a nova regra que autoriza abatimentos for aprovada, os cofres públicos receberão cerca de 30% a menos. Na tentativa de agradar a bancada ruralista, que conta com mais de 100 votos na Câmara, o governo deu aval ainda à alteração no artigo que prevê a retenção na fonte de 1,5% de IR para produtores rurais e isenta da cobrança as pessoas físicas e jurídicas que recebem pelo fornecimento dos insumos agrícolas, por mês, pagamentos iguais ou menores, respectivamente, a R$ 1,164 mil e a R$ 5 mil.

Foi negociada a ampliação em dez vezes da faixa de isenção das pessoas físicas, que chegará a R$ 11,64 mil. A mudança livrará cerca de 97% dos agricultores do recolhimento de IR na fonte, segundo o governo. Ontem, Merss sinalizou a possibilidade de a ampliação ser ainda maior, chegando a R$ 13 mil ou R$ 15 mil. O relatório do deputado também derrubará regra que proíbe os contribuintes de recorrerem ao Conselho de Contribuintes, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, para discutir dívidas de até R$ 50 mil.