Correio Braziliense, n. 21263, 12/08/2021. Política, p. 6

Financiamento de desinformação
12/08/2021



Mesmo sem ter qualquer estudo para comprovar eficácia do uso da ivermectina contra a covid-19, a Vitamedic — que fabrica o medicamento sob licença no país — não se furtou em financiar uma campanha publicitária de desinformação em defesa do "tratamento precoce". O diretor-executivo da empresa, Jailton Batista, confirmou ontem, em depoimento à CPI da Covid, que investiu R$ 717 mil nos anúncios elaborados pela Associação Médicos pela Vida, publicados em fevereiro. Durante a pandemia, o faturamento e as vendas da Vitamedic dispararam.

Alegando não poder interferir no conteúdo do informe, e argumentando que a publicação não tratava exclusivamente do uso de ivermectina para infectados com a covid-19, Batista admitiu o patrocínio. Mas tentou se esquivar afirmando que a utilização do medicamento faz parte da autonomia do médico em receitá-lo quando acreditar ser seu emprego eficiente.

"A Vitamedic foi solicitada a dar apoio e suporte à chamada Associação Médicos pela Vida no patrocínio de um documento técnico, médico, e ela o fez", disse, reforçando que a solicitação foi feita pela entidade e que "a empresa assumiu o custo da veiculação". A farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD), que desenvolveu a ivermectiva, divulgou nota em 4 de fevereiro passado salientando que não existe nenhumas comprovação de que a substância seja eficiente no combate à covid-19.

Apesar de o senador Otto Alencar (PSD-BA) apresentar documentos que comprovaria que a Vitamedic também patrocinou médicos defensores da ivermectiva no tratamento do novo coronavírus, Batista negou as bonificações. Mas admitiu repasses de diárias para realização de palestras sobre a medicação e para elaboração de pesquisas, que não chegaram a se concretizar.

O valor gasto com a publicidade não chega nem perto do aumento de caixa com a produção e venda do medicamento. O faturamento da empresa, em 2020, foi de R$ 540 milhões, mais que o dobro de 2019, que girou em torno de R$ 200 milhões — um crescimento de 170% de um ano para outro. Somente em 2021, até julho o fluxo de caixa positivo chegou a R$ 300 milhões. Jailton disse, ainda, que houve uma variação acima de 60% no preço da ivermectina. "Nós tivemos, realmente, um crescimento acima de 600% da ivermectina com a venda do remédio", explicou.

Diante dos altos lucros, o senador Fabiano Contarato (Cidadania-ES) propôs o bloqueio de recursos da Vitamedic como forma de punição. "Essas compras são claras violações ao interesse público e às normas que regem as compras públicas no país. Eu sugiro que seja feito um pedido cautelar à Justiça Federal para que bloqueie recursos suficientes para garantir o ressarcimento aos cofres públicos enquanto durar essa investigação", solicitou.