Correio Brazilense, n. 20680, 05/01/2020. Mundo. p. 10

 

 

 

 

 

 

Trump ameaça atacar o Irã

ORIENTE MÉDIO » No primeiro dia de homenagens ao general iraniano Qassem Soleimani, morteiros são disparados contra alvos americanos no Iraque. Presidente dos EUA adverte Teerã que resposta será implacável e que tem 52 locais na mira

 

A escalada de tensão entre Estados Unidos e Irã ganhou ontem novos e preocupantes contornos depois que foguetes foram disparados contra alvos norte-americanos no Iraque, em meio às ameaças de Teerã de responder ao bombardeio que matou o general Qassem Soleimani. A reação do presidente Donald Trump não tardou. Em uma série de três tuítes, o chefe da Casa Branca fez uma dura advertência à República Islâmica: se alvos americanos forem atingidos, o contra-ataque será implacável.

“Deixe isso servir como um aviso. Se o Irã atingir algum americano ou ativo americano, teremos como alvo 52 locais iranianos (representando os 52 reféns americanos tomados pelo Irã há muitos anos), alguns em um nível muito alto”, ressaltou Trump, numa referência ao grupo  mantido por 444 dias na embaixada americana em Teerã, em novembro de 1979, por estudantes e militantes islâmicos. “Os EUA não querem mais ameaças!”, acrescentou o presidente americano.

Os foguetes foram disparados enquanto milhares de pessoas acompanhavam o cortejo de Soleimani pelas ruas de Bagdá. Um deles atingiu a Zona Verde, onde está localizada a Embaixada dos Estados Unidos. Outro mirou a base aérea de Balad, que abriga soldados e aviões norte-americanos, a 80km do primeiro ataque. Uma terceira explosão atingiu uma casa no bairro de Jadryia e, de acordo com agências de notícias, deixou cinco feridos. Soleimani e o comandante paramilitar iraquiano Abu Mahdi al-Muhandis foram mortos na quinta-feira, alvos de um bombardeio ordenado por Trump, que, ontem, enviou ao Congresso explicações sobre o ataque.

A procissão fúnebre, que começou na mesquita Imam Kadhim, foi acompanhada pelo primeiro-ministro do Iraque, Adel Abdul Mahdi. O ex-primeiro-ministro Nuri al-Maliki e o parlamentar Hadi al-Amerdi — chefe da força pró-Irã — também estiveram presentes, assim como diversas lideranças xiitas, facção à qual Soleimani pertencia.

Os participantes do cortejo se posicionaram contra a operação norte-americana e gritaram frases como “a América é o grande satã” e “morte aos Estados Unidos e a Israel”. Vestindo fardas militares pretas, muitos carregavam bandeiras do Iraque e de milícias iraquianas apoiadas pelo país vizinho.

Chefe da unidade especial de operações clandestinas da Guarda Revolucionária do Irã, Soleimani tinha 62 anos e era considerado o principal estrategista militar e geopolítico do país. As homenagens a ele se estenderão até terça-feira, quando se prevê o enterro em Kerman, terra natal do general.

 

Terror

Donald Trump justificou o atentado contra o general afirmando que ele praticava atos de terrorismo. Desde o fim de outubro, 13 ataques com foguetes atingiram interesses americanos no Iraque. Um deles matou um norte-americano terceirizado. Embora nenhuma das ofensivas tenha sido reivindicada, Washington acusa as facções pró-Irã da Hachd al-Shaabi — coalizão paramilitar integrada ao Estado iraquiano — de serem responsáveis. Essas facções são consideradas, hoje, pelos Estados Unidos, uma ameaça mais perigosa do que os jihadistas do grupo Estado Islâmico (EI). Na madrugada de sexta-feira para sábado, um comboio da coalizão foi alvo de outro ataque norte-americano ao norte de Bagdá. Seis pessoas morreram e três ficaram feridas.

Com o aumento da tensão, o governo dos Estados Unidos recomendou que os cidadãos norte-americanos no Iraque saiam o mais rapidamente possível do país. Segundo um oficial da coalizão liderada por Washington, o foco do país, neste momento, é na “segurança e nas medidas de proteção” para evitar represálias. Ontem, os portões da Zona Verde, onde moram autoridades e se localizam as embaixadas internacionais, foram fechados.

Também por medidas protetivas, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) suspendeu as operações de treinamento das forças de segurança no Iraque. “A missão da Otan no país continua, mas as atividades de treino estão suspensas”, disse o porta-voz Dylan White, em um comunicado obtido pela emissora do Catar Al Jazeera. Ele informou que o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenber, conversou por telefone com o secretário de Defesa norte-americano, Mark Esper, após a morte de Soleimani.

A Alemanha, que aprovou no mês passado o banimento completo da milícia libanesa Hezbollah, que tem ligações com o Irã, elevou medidas de segurança contra ameaças por conta da morte do comandante das Forças Quds. De acordo com o jornal Welt am Sonntag, 16 estados alemães estão sob alerta. No Vaticano, o papa Francisco divulgou um apelo de paz, enquanto a China pediu aos EUA para “não abusarem da força”.

 

Filha clama por vingança

Sem rodeios, a filha do general Qasem Soleimani , Zeinab, cobrou do presidente iraniano, Hassan Rouhani, uma resposta à morte do pai. “Que Deus te proteja e te dê paciência. Deus vai recompensá-la pela sua dor e tristeza”, disse Rouhani ao visitar familiares do comandante das Forças Quds. “Senhor Rouhani, quando o sangue dos amigos do meu pai foi derramado, ele os vingou. Agora, quem vai se vingar pelo derramamento de sangue do meu pai?”, indagou. “Todos vão se vingar pelo sangue dos mártires. Não se preocupe com isso”, prometeu o presidente iraniano.

 

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Rouhani aponta um "grave erro"

Com os apelos por vingança ecoando por todo o Irã, o presidente Hassan Rohani afirmou ontem que os Estados Unidos “não percebem o grave erro que cometeram” com o ataque da última quinta-feira, que matou o general Qassim Soleimani, líder das Forças Quds. “Os americanos vão ver os efeitos desse ato criminoso, não hoje, mas nos próximos anos”, afirmou o presidente iraniano, após prestar condolências aos familiares do general, em Teerã.

A televisão estatal iraniana veiculou imagens de uma cerimônia em homenagem a Soleimani na cidade de Qom, importante local sagrado para a seita xiita do islamismo, onde foram estendidas bandeiras vermelhas sobre os minaretes das mesquitas. O ato, na tradição xiita, simboliza sangue derramado injustamente e serve como um chamado para as pessoas vingarem quem foi morto.

Nas ruas de Teerã, foram colocados outdoors mostrando a imagem do comandante das Forças Quds, além de um aviso do aiatolá Ali Khamenei prometendo “dura vingança” contra os Estados Unidos. Novamente, bandeiras norte-americanas foram queimadas por manifestantes que repetiram, aos gritos,  “morte à América”.

Enquanto isso, em Nova York e em Washington, capital dos EUA, manifestantes pacifistas realizaram atos pedindo a retirada das tropas americanas do Iraque, bem como que cessem as sanções e que não declarem guerra contra Teerã. Na sexta-feira, Donald Trump havia afirmado que o bombardeio em Bagdá ocorreu “para parar uma guerra, não começar uma”.