Título: Bulimia de Terri serve de alerta
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 29/03/2005, Saúde & Ciência, p. A12

O distúrbio alimentar que deixou americana à morte atinge em geral jovens mulheres e pode ficar oculto

Antes de sofrer o colapso que a deixou em estado vegetativo há 15 anos, quando tinha apenas 26, a americana Terri Schiavo foi uma adolescente gordinha que queria desesperadamente ser magra. Com dificuldade de manter o peso, tentava vomitar após as refeições e acabou se tornando bulímica.

A condição terminal de saúde de Terri - que não tem consciência, não fala e nem pode se alimentar sozinha - é um alerta para o perigo deste transtorno alimentar de fundo emocional. Uma queda de potássio no organismo, provocada pela doença, foi a causa da parada cardíaca que deixou seu cérebro sem oxigênio e gerou danos irreversíveis.

A bulimia caracteriza-se por episódios de voracidade - ingestão de grandes quantidades de comida em pouco tempo -, seguidos de enorme culpa e medo de engordar. Como autopunição, para se aliviar desses sentimentos e do excesso de calorias, o indivíduo com o distúrbio vomita, toma laxantes e diuréticos, passa longos períodos em jejum e pratica exercícios físicos de forma obsessiva.

A diferença para a anorexia (outro distúrbio alimentar de alto risco) está no peso do paciente - que em bulímicos é normal ou até um pouco acima da média. O anoréxico faz um jejum prolongado e come pouco, também buscando ficar magro. A bulimia atinge mais mulheres, no final da adolescência, entre 16 e 19 anos. Os fatores são familiares, culturais e socio-econômicos.

- São pessoas com histórico de obesidade anterior ou na família - afirma a especialista Evelyn Eisenstein, pediatra e endocrinologista, que dirige uma clínica voltada para adolescentes. É o caso de Terri, que durante longo período de sua vida teve problemas de peso. Com 1,60 cm de altura, chegou a ter 90 kg. E no final da adolescência conseguiu perder 30kg.

- Às vezes, o pai, a mãe ou a professora de balé desvalorizam a pessoa, falando que está gorda - explica a médica.

Mas não é só o medo de engordar que leva à bulimia. Um trauma emocional também pode causar a doença, como a perda de um ente querido.

- É muito comum casos de pessoas traumatizadas porque sofreram abuso sexual quando crianças - acrescenta.

De acordo com a médica, as mulheres bulímicas são em geral extrovertidas, inteligentes e bonitas, mas têm baixa auto-estima e auto-imagem corporal distorcida - isto é, se enxergam gordas mesmo se estão magras.

As pessoas com esse distúrbio ainda escondem o problema, que pode ficar anos sem ser descoberto. Mas é preciso ficar atento porque as conseqüências são muito nocivas para a saúde.

- A principal e mais comum é a desidratação. Ocorre também o desequilíbrio do hormônio anti-diurético e do tiroideano, que controla todo o metabolismo. Todo o relógio biológico é alterado - comenta Eisenstein.

As complicações são muitas. Desde falência cardíaca como bradicardia, que é a diminuição do ritmo cardíaco, até pancreatite aguda. Também ocorrem problemas dermatológicos como queda de cabelo e dificuldade de cicatrização. Outros problemas são a baixa estatura, atraso do desenvolvimento na puberdade, anemia, desmaios, convulsões, coma, e amenorréia ou interrupção da menstruação.

O fato de a pessoa bulímica esconder sua condição e o peso normal fazem, muitas vezes, com que ocorra uma demora no diagnóstico. Além disso, ao aparecerem os sinais da doença, procuram especialistas que não são da área de transtorno alimentar. Terri, por exemplo, chegou a ir ao médico por causa de uma interrupção de sua menstruação mas este não olhou seu histórico, deixando de identificar o problema.

A pediatra conta que uma paciente sua teve um crescimento de parótida, inchaço de uma glândula que fica ao lado do maxilar, e procurou um cirurgião. Os pais da menina, que tinha quinze anos, achavam que ela tinha um tumor e por isso vomitava.

- Ela quase foi operada, mas o médico percebeu que havia algo de estranho e a mandou para mim - conta.

Outra paciente foi a um cardiologista porque estava com bradicardia. Outro médico atendeu e não notou o mal, por causa da aparência saudável.

Evelyn Eisenstein salienta que depois do diagnóstico, o tratamento deve ter acompanhamento de psicoterapia, nutricionista e às vezes necessita de medicação.