Correio Braziliense, n. 21337, 16/08/2021. Política, p. 2

Afronta ao Congresso e ao Supremo
16/08/2021



Sob a liderança do cantor sertanejo e ex-deputado Sergio Reis, uma promessa de paralisação das atividades dos caminhoneiros ganhou força nas redes sociais ontem. Pelas mensagens postadas, os profissionais deverão cruzar os braços em 7 de Setembro, Dia da Independência do Brasil, em um movimento que engrossaria outras manifestações públicas já programadas a favor do governo de Jair Bolsonaro. Lideranças dos caminhoneiros, no entanto, afirmam que o artista não os representa, e o Ministério da Infraestrutura, nos bastidores, não leva a mobilização a sério.

Em áudio e vídeo atribuídos ao cantor e que circulam em grupos de WhatsApp e no Twitter, Sergio Reis convoca uma greve nacional de caminhoneiros para protestar contra os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos alvos de ataques de Bolsonaro, de quem o músico é aliado. No sábado, por meio das redes sociais, o presidente disse que apresentará ao Senado um pedido de impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

“Nós vamos parar 72 horas. Se não fizer nada, nas próximas 72 horas, ninguém anda no país, não vai ter nem caminhão para trazer feijão para vocês aqui dentro”, disse Reis, em uma reunião, em Brasília, com representantes do agronegócio, sentado ao lado do presidente da Aprosoja, Antonio Galvan. “Nada vai ser igual, nunca foi igual ao que vai acontecer em 7, 8, 9 e 10 de setembro, e se eles não obedecerem ao nosso pedido, eles vão ver como a cobra vai fumar, e ai do caminhoneiro que furar esse bloqueio”, ameaçou o cantor, no vídeo.

O ex-deputado foi procurado pela reportagem, mas não quis se manifestar, tampouco confirmou se o áudio e o vídeo são mesmo de sua autoria. A assessoria do Republicanos também foi questionada, porém não respondeu às mensagens da reportagem. Sergio Reis foi deputado federal pela legenda, antigo PRB, entre 2015 e 2019.

Em um dos áudios, o cantor sugere que o movimento conta com apoio financeiro para manter os manifestantes hospedados e alimentados em Brasília por mais de um mês. Seria uma forma de forçar os senadores a aprovarem o afastamento dos ministros do STF e o voto impresso. O artista dá a entender que Bolsonaro apoia o movimento. Ele afirma ter chegado de Brasília, onde teria almoçado com o presidente e participado de uma reunião com produtores de soja, além de integrantes do Ministério da Defesa e de Exército, Marinha e Aeronáutica. “Todos os fortes. São pessoas importantes, que não tinham ideia do que estava sendo preparado pelos caminhoneiros”, disse.

“Ordem” a Pacheco

Sergio Reis diz, ainda, que pretende se encontrar com o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para apresentar uma “intimação”. Segundo ele, “não será um pedido, mas uma ordem”. “Já entramos com pedido de o Presidente do Senado nos receber em 8 de setembro. Vou eu e dois líderes dos caminhoneiros, e dois líderes do sindicato da soja, para entregar a ele uma intimação, não é um pedido, é uma intimação, como se fosse um oficial de Justiça que fala ‘cumpra-se’”, disse o cantor.

“Enquanto o Senado não tomar essa posição que nós mandamos fazer, nós vamos ficar em Brasília e não saímos de lá até isso acontecer. Uma semana, 10 dias, um mês, e os caras bancando tudo, hotel e tudo, não gasta um tostão. E, se em 30 dias eles não tirarem aqueles caras, nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra”, disparou.

O ministério foi contatado para comentar a ameaça de paralisação, mas a assessoria informou que não se manifestaria sobre o tema. A reportagem apurou que a preparação da paralisação, pelo menos por enquanto, não está sendo levada a sério pelo governo. Representantes da administração de Bolsonaro mantêm diálogo direto e monitoram o ânimo da categoria constantemente.

Representantes dos caminhoneiros negam a adesão ao movimento e rechaçam a participação em qualquer manifestação política. “A grande maioria não vai participar, pelo menos dos nossos associados”, afirmou o presidente da Associação Nacional de Transporte do Brasil (ANTB), José Roberto Stringasci. Segundo ele, a entidade representa cerca de 45 mil motoristas autônomos.

Wallace Landim, o Chorão, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), também refutou participação no ato. “Não nos envolvemos com política, nem a favor de governo ou contra governo, nem a favor do STF (Supremo Tribunal Federal) ou contra o STF”, frisou.

Chorão ainda deu uma alfinetada no ex-deputado. “Nosso saudoso, grandioso cantor Sergio Reis. O senhor, quando deputado federal, nunca subiu na tribuna para falar em nome dos caminhoneiros”, disparou.

Desabastecimento

A maior paralisação dos caminhoneiros ocorreu em maio de 2018, no governo de Michel Temer. O alcance do ato, que provocou desabastecimento de combustíveis em todo o país, foi atribuído a suspeitas de locaute — quando os patrões, e não os trabalhadores, é que lideram a paralisação e impedem os empregados de exercerem suas atividades. Diferentemente da greve, que tem amparo na Constituição, o locaute é proibido por lei. Em 2015, os caminhoneiros também organizaram greves em vários estados a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff.