Correio Braziliense, n. 21337, 16/08/2021. Política, p. 2

Entre retrocessos e intimidações
Jorge Vasconcellos
16/08/2021



A semana promete ser agitada no Congresso. Câmara votará, em segundo turno, a PEC da reforma eleitoral, que desenterra as coligações entre partidos. Bolsonaro promete apresentar, ao Presidente do Senado, pedido de impeachment contra ministros do STF

A agenda política da semana terá entre as discussões mais importantes o segundo turno de votação da proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral na Câmara, agendada para amanhã. A sessão vai ocorrer em meio à polêmica sobre a volta das coligações nas eleições proporcionais, aprovada pelos deputados no primeiro turno da análise do texto, na semana passada.

Após a provável segunda aprovação da PEC na Câmara, a proposta seguirá para o Senado, onde o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já adiantou que a volta das coligações, por representar um “retrocesso”, terá dificuldades para ser avalizada pelos parlamentares. Como Pacheco, os críticos afirmam que esse tipo de aliança política — extinta pelo Congresso em 2017 — favorece os chamados partidos de aluguel e a troca de apoio entre candidatos sem qualquer afinidade ideológica.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu a Pacheco que a PEC seja pautada no Senado assim que for recebida, mas a própria relatora da reforma eleitoral, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), admitiu que a volta das coligações proporcionais tem grande possibilidade de ser derrubada pelos senadores. A parlamentar chegou a dizer que, caso isso se confirme, poderá haver uma “crise institucional” no Congresso.

As duas maiores bancadas do Senado, o MDB e o PSD, ao lado do DEM e do Cidadania, são contrárias ao retorno das coligações, por considerarem que é um estímulo à fragmentação partidária. Sem o apoio dessas siglas, será muito difícil a PEC avançar.

A controvérsia em torno da reforma eleitoral no Senado deve ser mais um teste para a relação entre os presidentes da Câmara e do Senado. Eleitos para comandar as duas Casas com o apoio do Planalto, Lira e Pacheco já não exibem a mesma sintonia de antes em torno das pautas que devem ter prioridade no Congresso.

O senador de Minas Gerais tem se esforçado para demonstrar independência, e já não mantém a proximidade com Bolsonaro. Uma das razões desse afastamento foi a rapidez de Pacheco em cumprir a ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), para instalar a CPI da Covid, que tem causado muita dor de cabeça ao governo.

A postura independente do Presidente do Senado tem como pano de fundo as eleições de 2022. O parlamentar deve trocar o DEM pelo PSD, a convite do presidente do partido, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que deseja vê-lo como o candidato da terceira via na próxima disputa ao Planalto.

Judiciário

Pacheco também é um dos atores centrais na atual fase da crise entre Bolsonaro e a cúpula do Judiciário. O chefe do Executivo anunciou que apresentará ao Senado, nesta semana, um pedido de abertura de processos de impeachment contra os ministros Alexandre de Moraes, do STF, e Luís Roberto Barroso, membro da mesma Corte e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O anúncio de Bolsonaro foi feito em reação à prisão do aliado Roberto Jefferson, ex-deputado e presidente nacional do PTB. Ele foi preso na sexta-feira, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, em decorrência do inquérito do Supremo que investiga milícias digitais.

Já Barroso tem reiterado a defesa do processo eleitoral e é acusado por Bolsonaro de ter pressionado deputados a rejeitarem a PEC que previa a impressão do voto registrado na urna eletrônica. A proposta foi derrubada pelo plenário da Câmara na semana passada.

De acordo com apuração do Correio, Pacheco disse a interlocutores que não pretende dar andamento ao eventual pedido de Bolsonaro contra Moraes e Barroso, por considerar que não há fato objetivo capaz de justificar o impeachment ou qualquer outra punição aos dois magistrados.

Ao mesmo tempo, o Presidente do Senado tem manifestado preocupação de que uma recusa em atender o pedido do chefe do governo possa dar margem a interpretações de que ele está do lado dos ministros do Supremo. Na visão do parlamentar, isso poderia servir de estímulo para Bolsonaro pressionar ainda mais as Forças Armadas a interferirem na crise.

O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF), disse à reportagem que, com base nas conversas que manteve com vários colegas durante o fim de semana, dificilmente a demanda de Bolsonaro será atendida. “Para mim, o Senado dará o mesmo tratamento que a Câmara tem dado aos pedidos de impeachment protocolados contra o presidente da República”, frisou o parlamentar, em referência às mais de 130 representações que ainda aguardam a decisão de Arthur Lira para avançar.