Correio Brazilense, n. 20747, 12/03/2020. Brasil. p. 6

 

Ministro critica Ibaneis e receberá verba por MP

Alessandra Azevedo

Bruna Lima

 

 

 

Mandetta afirma que decisão do governador do DF de suspender aulas por cinco dias pode ter efeito contrário. Titular da Saúde conta com R$ 5,1 bilhões para ampliar o atendimento na rede de atenção primária pelo país.

A pandemia do coronavírus foi o centro dos atenções em Brasília durante todo o dia. Autoridades do Congresso e integrantes do governo discutiram maneiras de liberar recursos para o combate à Covid-19 pelo país. Ao final da noite, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, criticou o  decreto emitido pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), suspendendo as aulas em escolas públicas e privadas do DF por cinco dias a partir de hoje.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que o governo enviará uma Medida Provisória (MP), editada com os parlamentares, para que o Congresso libere verbas para ajudar no combate ao coronavírus. O anúncio foi feito na noite de ontem, após reunião com os ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Economia, Paulo Guedes. Também participaram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e líderes partidários. Alcolumbre, que também preside o Congresso, explicou que, por MP, é possível liberar recursos imediatamente no dia em que ela for editada, e sem esbarrar no teto de gastos. “É uma questão emergencial e está amparada pela legislação brasileira”, garantiu o senador. Ele não especificou o valor que será liberado. Mas lembrou que Mandetta pediu, mais cedo, R$ 5 bilhões aos parlamentares.

O dinheiro será destinado ao Ministério da Saúde, que distribuirá aos estados e municípios. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que as soluções serão discutidas ainda nesta semana com o governo. Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também esteve na reunião, deram um panorama do impacto econômico gerado pela pandemia de Covid-19.

O acordo entre parlamentares e o Ministério da Saúde vai ampliar os investimentos para o combate da Covid-19 em R$ 5,1 bilhões. O recurso tem como finalidade reforçar as ações emergenciais programadas pelo Ministério da Saúde possam ser supridas. Entre as medidas, está o lançamento do Saúde na Hora 2.0. para reforçar a capacidade assistencial da Atenção Primária. Mesmo em postos em que atuem duas equipes, será permitido estender o horário de atendimento. Com a mudança, a pasta espera alcançar 40 milhões de brasileiros.

A expectativa é de que mais 5,2 mil postos adotem a ampliação, passando para 6,7 mil unidades em funcionamento com maior expediente. Para isso, o governo pretende contratar mais 5 mil profissionais da saúde pelo Programa Mais Médicos. “Com esse montante, me parece que a gente consegue atravessar essa”, disse o ministro, durante audiência na comissão-geral da Câmara dos Deputados para debater o tema.

Decreto no DF

Uma das decisões de maior repercussão ontem à noite foi o decreto emitido pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que determinou a suspensão das aulas nas escolas públicas e particulares por cinco dias. Também estão proibidos na capital federal shows, eventos e aglomerações (Leia mais a respeito do decreto na página 19).

 Luiz Henrique Mandetta criticou o decreto do governador. Segundo o ministro, a suspensão de aulas nas escolas públicas não foi recomendação do governo federal e pode ter efeito contrário, de disseminar a doença. Mandetta explicou que muitos dos estudantes mais novos, se não tiverem aulas, podem ficar mais expostos à Covid-19. Isso porque, segundo ele, as crianças podem ficar na casa dos avós, que é grupo de risco. “Daqui a uma semana você vai ter todos os idosos batendo na porta do hospital”, disse. “A nossa preocupação, como saúde, é, simplesmente, proteger ao máximo os idosos. Se o efeito disso vai ser o pai e a mãe continuar em trabalhando e deixarem a criança com os idosos, daqui a uma semana, dez dias você vai ter uma transmissão sustentada, já que muitas crianças são assintomáticas”, explicou.

Na visão de Mandetta, ainda não há razão para paralisações gerais. “Se eu tenho hoje metrôs abertos, ônibus superlotados às 6h da manhã em todos os estados do Brasil, teatros, restaurantes, estádios de futebol funcionando, não tem por que falar para as pessoas não saírem. Agora vale a regra da boa educação, como lavar as mãos e não sair de casa em caso de febre, tosse...”, orientou o ministro.

Na capital paulista, a Universidade de São Paulo confirmou o primeiro caso de coronavírus em um de seus estudantes. Um aluno de graduação da Geografia entrou em contato com a direção do departamento para informar que testou positivo para o vírus. Cerca de 105 mil pessoas frequentam diariamente a universidade. Apenas as aulas do Departamento de Geografia foram suspensas ontem, mas a faculdade se reuniu com a Reitoria e com a Superintendência de Saúde para avaliar se a suspensão de atividades deve ser ampliada.

 

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Conduta lamentável de paciente

 

 

O Brasil tem 53 casos confirmados de contaminação pela Covid-19. O número cresceu 55% em relação ao balanço anterior, quando o Ministério da Saúde registrava 34 casos. São Paulo concentra mais da metade das confirmações, chegando a 30. Em seguida vem o Rio de Janeiro, com 13 casos, Bahia, com três, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, com dois, e Alagoas, Espírito Santo, Minas Gerais com um, cada.

Somente São Paulo e Bahia têm casos de transmissão local, ou seja, quando um infectado transmite o vírus em território nacional. Ainda não há registros de transmissão comunitária, ou seja, aquela em que não é possível reconhecer a origem da infecção.

O Brasil também não registrou mortes. Há um caso grave, referente à paciente de 52 anos do DF, que está internada no Hran. Segundo a Secretaria de Saúde, ela apresenta síndrome respiratória aguda severa e respira com ajuda de aparelhos. O marido dela é o outro paciente confirmado para a doença na capital federal. Durante a comissão-geral da Câmara, o ministro Mandetta criticou a postura do casal e do hospital que prestou o primeiro atendimento à mulher.

“É um episódio lastimável desse cidadão de Brasília que viaja, demora a ir com a mulher em uma unidade de saúde e, quando vai, atesta positivo. Depois, se recusa a fazer isolamento, a se testar a ponto de ter que pedir ordem judicial”. Em nota, o homem se pronunciou, afirmando que, antes mesmo de ter ciência da decisão judicial, submeteu-se a exames em um laboratório particular e se manteve recluso em casa saindo somente para ajudar no socorro da esposa.

Em relação à conduta da unidade que prestou os primeiros atendimentos, Mandetta afirmou que é uma “vergonha um hospital particular falar que não tem condição de tratar uma pneumonia. Não merecia nem ter placa de hospital”, disse. Na semana passada, o hospital justificou o pedido dizendo que o isolamento “exige condições específicas que foram equacionadas pelo governo do Distrito Federal”. Ao final dos comentários, Mandetta ponderou as críticas, dizendo que, em um cenário de começo de enfrentamento, erros podem acontecer, mas que não devem se repetir.

Apesar do anúncio de pandemia global feito pela OMS, o Brasil continua com o protocolo emergencial nacional. Haverá mudanças nas medidas de contenção somente em casos de transmissão sustentada, ou seja, quando a doença atingir cinco linhas de transmissão e passar a ser comunitária. Neste cenário, o novo vírus entra na rede sentinela e a confirmação é feita por amostragem. Somente casos graves serão submetidos aos testes para detectar a Covid-19. (BL)

 

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Outras gripes mataram mais, diz Bolsonaro

 

 

O presidente Jair Bolsonaro voltou a minimizar as consequências do coronavírus. Questionado sobre mudanças nos protocolos de emergência após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar pandemia, o chefe do Executivo reiterou que não vê motivo de alarde. “O que eu acho, eu não sou médico, eu não sou infectologista, o que eu vi até o momento, outras gripes mataram mais do que essa”, apontou.

Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro amenizou os impactos do coronavírus. Na terça-feira, durante a Conferência Internacional em Miami, ele comentou sobre o assunto atacando mais uma vez a mídia. “Durante o ano que se passou, obviamente, temos um momento, uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”, disse.

O posicionamento de Bolsonaro foi defendido pelo seu subordinado, Luiz Henrique Mandetta. “Acho que o presidente coloca em termos de números totais. Você pega a China, com 1,6 bilhão de habitantes, e analisa o número de casos. Você pega os dados de Influenza, que, no ano passado, foram milhares e milhares de óbitos no mundo. Olhando por esse ângulo, essa fala está correta, porque você tem muitas outras situações de doenças públicas que são mais graves”, comparou o ministro da Saúde.

Os casos de Covid-19 foram notificados pela primeira vez em 31 de dezembro de 2019, na República Popular da China. Ao todo, 113 países confirmaram 118.326 casos e 4.292 mortes, segundo as últimas atualizações da OMS.