Título: Presidente da Câmara gera reação de deputados
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 26/03/2005, País, p. A2

Parlamentares pensam em organizar atos públicos contra Severino

A gestão Severino Cavalcanti (PP-PE) na Câmara vem deixando muitos parlamentares de cabelo em pé. Preocupados com a imagem negativa que a Casa tem passado para a opinião pública, com os debates sobre reajuste de salário, aumento de verba de gabinete e os discursos explícitos de Severino pressionando o governo pela nomeação de Ciro Nogueira para o Ministério das Comunicações. A conduta foi brecada pelo Planalto, ao suspender as negociações para uma reforma ministerial mais ampla. Mas as reações agora ameaçam vir do Congresso.

- Temos que pensar que a gestão Severino vai durar dois anos. Temos eleição ano que vem e precisamos salvar a nossa pele - declarou um parlamentar da oposição.

O líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES), sustenta que Severino precisa ter mais cuidado com o que fala e com a forma como age. Para Casagrande, o presidente tem que entender que ele não é mais um simples deputado. Por ser presidente da Câmara, suas palavras e ações passam a impressão de representar o sentimento e os pensamentos do conjunto dos parlamentares.

- Em um mês de Severino, recebi mais emails de eleitores do que nos dois primeiros anos de mandato. São mais de 500 por dia criticando os deputados - reclamou Casagrande, pedindo aos aliados de Severino que cobrem uma conduta mais digna no cargo.

Alguns parlamentares já pensam em organizar atos públicos para se contrapor ao presidente. Temem que seja necessário chegar o dia em que os discursos em plenário contradigam a autoridade do presidente da Casa.

- Existe um grupo, sem ser o de Severino, que deseja barrar esta história - confirmou um deputado.

A preocupação acaba por permear todos os setores da Casa. Na próxima terça, os líderes partidários devem se reunir com Severino, solicitando uma maior influência na pauta de votações da Casa. O presidente da Câmara tem decidido, por sua conta e risco, as matérias que entrarão na chamada ''Ordem do Dia''. Apesar do regimento interno conceder este poder ao presidente da Casa, os líderes querem espaço na mesa de discussões.

- O PT sustenta que haja uma sintonia mais fina entre o colégio de líderes e a presidência da Câmara - resumiu o líder do PT na Câmara, Paulo Rocha (PT-PA).

Outro petista lembra que, apesar da tradição presidencialista da Câmara, Severino não pode se arvorar a tomar decisões sozinho, atropelando líderes partidários e partidos.

- Ele não pode, toda vez que for pressionado, alegar que vai substituir os partidos pelo ''seus 300 eleitores'', como aconteceu mais de uma vez - acrescentou o petista.

Para o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), não se pode ficar responsabilizando Severino por todos os males ocorridos no Parlamento nem sair por aí criticando os discursos infelizes do atual mandatário da Câmara. Beto lembrou que, apesar da discordância de alguns, Severino foi eleito de forma democrática.

- Quanto aos discursos, cada um deve assumir aquilo que diz. Não podemos ficar tutelando ninguém.

O vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL), tem conversado bastante com Severino nos últimos dias. Garante que o presidente da Casa está mais aberto ao diálogo e promete que as reuniões de líderes serão retomadas.

- As mudanças foram muito intensas nos últimos dias. Mas a Casa vai retomar o fluxo normal de trabalho, tanto político quanto administrativo - prometeu Nonô.

Para o pefelista, o incômodo provocado por Severino decorre do fato de ele não ser um capacho do Planalto.

- Reconheço que ele tem o coração aberto e a boca mais aberta ainda. Ele é uma força da natureza. Pela primeira vez, temos um presidente com postura autônoma, que não é subalterno ao Executivo - frisou Nonô.

Em Recife, ontem, integrantes do Grupo Gay Leão do Norte protestaram contra o presidente da Câmara. Eles fizeram a tradicional queima de Judas com um boneco que representava o deputado.

Complemento:

Janene: Críticas a Severino são recalque

Um dos principais interlocutores de Severino Cavalcanti (PP-PE) fala grosso em defesa do presidente da Câmara. José Janene (PP-PR), líder do partido na Casa, afirma que nenhum líder partidário tem o direito de criticar a conduta de Severino. Para ele, qualquer reação neste sentido é um recalque daqueles que ainda não admitiram a derrota na eleição para a presidência da Casa. - Os bagrões não se conformam com a vitória dos bagrinhos - acusou o pepista.

Janene garante que Severino é aberto ao diálogo e este estilo vem gerando simpatias entre empresários, governadores e representantes da sociedade civil. Ele irritou-se ainda mais, desafiando os líderes a fazerem qualquer ilação sobre o comportamento de Severino.

- Desafio qualquer um a questionar publicamente a a idoneidade moral de Severino ou do nosso partido.

O líder do PP aceita debater o assunto de forma pública, no colégio de líderes ou em plenário. Janene apóia-se no regimento para justificar as decisões de Severino quanto à pauta.

- Quem sempre define o que será votado é o presidente da Câmara. Ou na época do João Paulo Cunha, a situação era diferente?

Janene destila ironia, afirmando que, durante a gestão anterior, toda a pauta de votações era decidida no gabinete do chefe da Casa Civil, José Dirceu. Agora, diz, tudo será diferente.

- Nós, deputados, vamos decidir o que será votado, o presidente Severino está retirando da gaveta projetos que dormiam na fila de votações há anos.

Apesar do tom desafiador, o líder do PP garante que seu partido não será uma ameaça velada ao Planalto. Apressa-se em dizer que não mudará sua posição mesmo depois da frustrada reforma ministerial. O PP chegou a sonhar, de forma concreta, com uma vaga na Esplanada - pretensão que virou poeira com a minirreforma promovida por Lula.

- Quem ofereceu o ministério a nós foi o Planalto. Jamais pedimos qualquer coisa. Não somos fisiológicos.

Mesmo assim, garante que sua bancada continuará votando alinhada ao Planalto nas matérias que forem boas para o Brasil. Fará oposição, contudo, quando achar que a sociedade está em risco, como na MP 232 e na reforma tributária. (P.T.L.)