Correio Braziliense, n. 20610, 27/10/2019. Brasil, p. 8

Cientistas alertam sobre danos à saúde 


Pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) pedem que o governo declare estado de emergência de saúde pública por causa da contaminação provocada por manchas de óleo que atingem praias do Nordeste. Em nota, especialistas alegam riscos para “número expressivo de populações vulneráveis potencialmente expostas” e falta de orientação sanitária. Ontem, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, disse que as praias já estão próprias para banho.

“Existe uma situação de calamidade que requer uma intervenção imediata, ampla, coordenada e com suporte legal do setor de saúde”, diz o comunicado da UFBA. “A situação de emergência ambiental nos estados do Nordeste é essencial para o controle do desastre/crime identificado em 30 de agosto de 2019.”

Para justificar o pedido, os especialistas enumeram uma série de razões. A primeira é que o óleo bruto ou petróleo apresentam “riscos toxicológicos” que “podem levar à morte por intoxicação”. Entre os componentes mais tóxicos, eles apontam benzeno, tolueno e xileno. “O benzeno é uma substância química cancerígena, pode causar má formação fetal e patologias graves e potencialmente fatais, como câncer e aplasia de medula”, afirmam. Segundo os cientistas, a absorção dessas substâncias pode ocorrer desde por contato com a pele a até mesmo por inalação.

Com base em dados do Ibama, os pesquisadores calculam que as manchas de óleo podem afetar a saúde de 144 mil pescadores artesanais. “Diante da situação de vulnerabilidade econômica, eles não dispõem de equipamentos de proteção individual, acesso aos serviços de saúde para realizar exames periódicos quando há exposição crônica aos agentes químicos, além da dificuldade de obtenção de informações e orientações fidedignas.”

Para os pesquisadores, faltam medidas sanitárias tanto para garantir a segurança de quem consome esses pescados quanto para não prejudicar os trabalhadores. De acordo com o comunicado, a falta de recursos tem resultado em improvisos e práticas insuficientes para responder à dimensão do evento. “O apelo generalizado ao voluntarismo — mobilizando milhares de pessoas desprotegidas para retirada das manchas de óleo, muitas vezes manualmente e sem orientações e equipamentos necessários — reflete a falta de recursos financeiros e humanos, associados à fragilidade organizacional das ações de saúde”, afirma.

Os cientistas pedem medidas urgentes para que todas as praias e manguezais com presença de petróleo sejam mapeadas e tenham as atividades de mariscagem interditadas. Solicitam também que o estado de saúde desses trabalhadores seja monitorado e que todos os pescadores e marisqueiros atingidos recebam seguro defeso.

Foto viralizada

Os riscos apontados pelos estudiosos da UFBA rondam pessoas como Everton Miguel dos Anjos, 13 anos. “Ele tem personalidade forte e é muito teimoso.” Foi assim que a comerciante Ivaneide Maria Oliveira definiu o filho. No início da semana, o adolescente não pensou duas vezes antes de se jogar no mar para retirar o óleo que se espalhava pela praia. Após ser fotografado coberto com o material negro e viscoso, a imagem repercutiu nas redes sociais.

“Eu estava ajudando minha mãe no bar. Quando vi o pessoal tentando tirar aquela sujeira do mar, e as pessoas na praia com medo, só pensei no trabalho de minha mãe”, contou. “A gente depende do bar para viver. Se a praia ficasse daquele jeito, ninguém ia ficar no bar da minha mãe.”

Aluno do 7º ano do ensino fundamental, Everton é o caçula dos quatro filhos de Ivaneide. Nos fins de semana e feriados, ajuda a mãe no pequeno bar que a família mantém na areia da praia de Itapuama, município do Cabo de Santo Agostinho (PE).

Condições

Segundo o presidente em exercício, Hamilton Mourão, o óleo que contaminou as praias nordestinas já foi recolhido. “Hoje acredito que não tem mais nenhuma praia suja no Nordeste. Todas estão com óleo recolhido. À medida que vai aparecendo, nós estamos deslocando os especialistas para lá, eles fazem a limpeza e pronto, a praia está em condições de banho”, afirmou à GloboNews.

Ele comentou que a orientação do Ministério da Saúde sobre a impropriedade dessas praias refere-se às que têm manchas aparentes. E citou como exemplo de praias que foram limpas as de Morro de São Paulo (BA). “Morro de São Paulo tinha sido atingida e imediatamente, no dia seguinte, estava em condições de banho.” Mourão voltou a destacar que o governo está empenhado em encontrar o responsável pelo derramamento.

Segundo o Ibama, o óleo foi encontrado em pelo menos 238 pontos, de 88 municípios nordestinos. O instituto informou também, em balanço divulgado ontem, que mais de 1 mil toneladas de óleo com areia foram retiradas.