Título: Governo quer anular desapropriação
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 26/03/2005, País, p. A5
Superintendente do Incra de Goiás reage à devolução para a Igreja de fazenda considerada improdutiva
O superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Goiás, Ailtamar Carlos da Silva, avisa que não vai aceitar ingerências políticas no processo de reforma agrária no estado. Ao ser informado que o Planalto está trabalhando numa possível anulação do decreto que desapropriou a Fazenda da Diocese de Jataí (GO), Ailtamar anunciou que vai fazer vistorias em duas outras fazendas da Igreja Católica no estado, nos municípios de Santa Helena e Pirenópolis.
- Vou fazer porque é uma vistoria corriqueira, da mesma forma que nós vistoriamos imóveis de proprietários rurais - garante o superintendente.
Decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desapropriou a Fazenda Nossa Senhora de Guadalupe, em Jataí, no dia 25 de fevereiro, com base em laudo do Incra que concluiu ser a fazenda improdutiva. O senador Maguito Vilela (PMDB-GO) diz que, após conversa com autoridades do governo Lula, conseguiu a garantia, através do presidente do Incra, Rolf Hackbart, de que o decreto será anulado.
- Sempre me reporto quando há problemas desgastantes. Esse caso foi mais um caso - disse o senador Maguito Vilela.
O superintendente do Incra de Goiás insiste que a Fazenda Nossa Senhora de Guadalupe é improdutiva e tem de ser desapropriada, com base na Constituição Federal. E justamente em função disso, ele afirma que está cumprindo a lei e que não é possível anular um decreto a pedido da Igreja Católica.
- Se tem alguém que não quer cumprir a lei, quer fazer de conta, aí não é mais comigo - diz Ailtamar Carlos da Silva.
As outras duas fazendas da Igreja Católica que devem ser desapropriadas pelo Incra de Goiás receberão vistorias nas próximas semanas. A fazenda de Pirenópolis teria cerca de 400 hectares e, a de Santa Helena, 1,4 mil hectares.
A fazenda da Diocese de Jataí, motivo da crise entre o governo e a igreja, tem 1,3 mil hectares, o suficiente para assentar 40 famílias de sem-terra. A Diocese de Goiás alega que não fez averbação em cartório de uma reserva que existe dentro da fazenda, por isso não atingiu o grau de produtividade da área. O bispo de Jataí, dom Aloísio Hilário de Pinho, criticou o governo Lula na semana passada por desapropriar a fazenda da Igreja.
Desde que assumiu o cargo de superintende do Incra, Ailtamar tem enfrentado outros temas polêmicos. Além da desapropriação das terras da Igreja, ele vem tentando tirar dos assentamentos juízes, promotores, dentistas, advogados e até policiais militares que compraram, segundo ele, terras de posseiros, em situação de total irregularidade.
O governo federal ainda não se pronunciou sobre sua suposta promessa de revogar o decreto que desapropria terras da Igreja. A presidência do Incra, que tem a frente Holf Hackbart , não confirmou que o presidente Lula vai anular o decreto que desapropriou as terras da Igreja. Apenas informou que o decreto está sendo analisado pela área jurídica.
O governo Lula fracassou na sua promessa de assentar 115 mil famílias por ano. Pelos cálculos dos integrantes do movimento dos sem-terra, o dinheiro da reforma agrária, este ano, será suficiente para assentar apenas 35 mil famílias.
Complemento
'Vou cumprir a lei'
BRASÍLIA - A lei vale para todos, inclusive para a Igreja Católica, que resiste à reforma agrária em sua Fazenda Nossa Senhora de Guadalupe, em Jataí (GO). Este é o recado do superintendente do Incra em Goiás, Ailtamar Carlos da Silva, que tentará manter a desapropriação.
- O governo federal vai de fato anular o decreto de desapropriação da fazenda que pertence à Diocese de Goiás?
- Pergunta isso lá para a Kátia Vasco (assessora), no Incra nacional.
- Qual a sua opinião sobre esse caso?
- A Fazenda Nossa Senhora de Guadalupe é improdutiva, portanto, tem que cumprir o estabelecido na Constituição, artigo 184. Se o imóvel é improdutivo, ele deve ser desapropriado. Agora, se não quer cumprir...
- O governo federal não poderia ceder neste caso?
- Tem que se cumprir o que está estabelecido na lei.
- Seria correto uma ingerência política na questão da reforma agrária agora?
- Eu faço avaliação de que não seria correto.
- O senhor vai continuar fazendo as vistorias nas fazendas da Igreja Católica?
- Vou cumprir o meu papel como superintendente do Incra. Estou aqui exatamente para fazer aquilo que está previsto na lei: observar os princípios da moralidade. Se tem alguém acima de mim que não quer cumprir o que está estabelecido na Constituição Federal, aí a questão já não é mais comigo.
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Bispo briga por terra
BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto no dia 25 de fevereiro classificando de interesse social, para fins e reforma agrária, os 1.367 hectares da Diocese de Jataí (GO). A área correspondente a 1,3 mil campos de futebol. A Igreja, por sua vez, não aceita a distribuição de terras para as famílias acampadas em beira de estrada. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto também assinou o documento com Lula.
Desde então, o bispo de Jataí, dom Aloísio Hilário de Pinho, vem se manifestando contra a medida do governo, afirmando que não foi avisado da desapropriação da Fazenda Nossa Senhora de Guadalupe.
Dom Aloísio já deu diversas declarações alegando que o governo federal deveria desapropriar ''os grandes latifúndios improdutivos'' para fazer a reforma agrária.
Autoridades do próprio Incra trabalham com expectativa de aumento da violência no campo, em decorrência da lentidão do projeto de reforma agrária.
O Jornal do Brasil noticiou que, ao prestar depoimento sobre invasões de terra e mortes no campo, junto ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), a superintendente do Incra em Pernambuco, Maria Oliveira, ex-ouvidora agrária nacional substituta, previu mais crise nas áreas rurais. De acordo com ela, o Estado e as polícias estão despreparados para responder ao aumento dos diversos conflitos agrários.