Correio Brazilense, n. 20747, 12/03/2020. Economia. p. 8

Pandemia contamina o mercado mundial

Rafaela Gonçalves

 

Anúncio da OMS de que o planeta vive uma crise devido ao coronavírus agita o mundo financeiro e faz a bolsa brasileira despencar. Circuit breaker é acionado pela 2ª vez nesta semana, mas queda vai a 7,64%. Dólar acompanha a tensão e fecha em R$ 4,72


Após a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizar a classificação do surto do novo coronavírus para pandemia, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), teve o segundo circuit breaker na semana. O mecanismo de segurança é utilizado para interromper todas as operações da bolsa quando há queda de mais de 10%. Na retomada dos trabalhos, o índice amenizou perdas e terminou com recuo de 7,64%, a 85.171 pontos, no menor nível desde dezembro de 2018. Nesta semana, a perda é de 13,09%; no mês, de 18,24%; e no ano, de 26,35%.

A perda foi de R$ 249,1 bilhões apenas ontem, conforme levantamento feito pela Economática. No acumulado do ano, as perdas em valor de mercado das ações listadas na B3 somaram R$ 1,03 trilhão, sendo que, apenas no mês de março, a queda chegou a R$ 669 bilhões. O mercado brasileiro entrou em bear market, expressão utilizada quando os índices acionários ou cotações de ativos caem 20% ou mais, na comparação com seus picos mais recentes, se mantendo por um período de mais de duas semanas.

Os mercados do mundo todo aprofundaram a queda após o anúncio da OMS. O S&P, principal indicador de avaliação das ações do mercado norte-americano, apresentou recuo de 4,86%. O Dow Jones fechou com baixa de 5,86%. Ambos os índices estão próximos da marca alcançada pelo indicador brasileiro, com perdas acumuladas da queda livre, que ultrapassam o nível normal de correção. Em Londres, a bolsa fechou antes do anúncio de pandemia, apresentando assim uma perda menos acentuada, de 1,40%.

Para o diretor da Mirae Asset, Pablo Styer, a economia global vive uma espiral de aversão a risco e a declaração da OMS jogou gasolina na fogueira do mercado. “Os bancos centrais não agiram, a não ser a Inglaterra, de maneira inesperada e positiva. Tanto que as bolsas na Europa caíram com o estresse da Arábia Saudita com o petróleo e melhoraram após o corte de juros. Mas lá também vão sofrer esses impactos amanhã (hoje), já que fecharam antes. Os Estados Unidos prometeram um remédio e não cumpriram, e o Trump não detalha as medidas. Tivemos uma piora externa que contaminou totalmente os ativos brasileiros”, afirmou.

Impacto indefinido

O gerente de gestão de investimentos da Integral, Marcos Iório, considera que a reação do mercado foi negativa porque não há uma perspectiva de até onde vão os impactos do vírus, e os investidores ainda não conseguem enxergar a luz no fim do túnel. “Os fundamentos seguem os mesmos. Na terça-feira, tivemos uma trégua, mas muito baseada nas expectativas das ações dos bancos centrais e de governos. De fato, essas medidas têm ajudado, mas o temor segue igual. Os BCs têm se mostrado comprometidos com o estímulo do crescimento e a lidar com o problema, mas são todos de resultados a longo prazo”, disse.

Trouxe um certo alívio para o mercado a declaração do presidente Donald Trump, que afirmou que o governo usará todo o seu poder para combater a Covid-19. Os investidores aguardam novos estímulos por parte dos bancos centrais mundiais para tentar conter os impactos econômicos da pandemia. Seguindo os passos do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), ontem, o Banco da Inglaterra surpreendeu ao cortar juros em meio ponto percentual, como resposta ao choque provocado pelo vírus que se alastra pelos continentes.

Ainda são esperadas novas ações do Banco Central Europeu (BCE), do próprio Fed, além de medidas fiscais do governo norte-americano. Iório acredita serem necessárias decisões que injetem liquidez de maneira mais imediata. “Temos visto pacotes no Japão e na Alemanha para garantir o salário de pessoas que não vão conseguir trabalhar. Esse tipo de coisa tem efeito mais a curto prazo e faz a economia continuar a girar de maneira mais efetiva”, avaliou o gerente de investimentos da Integral.


"Os Estados Unidos prometeram um remédio e não cumpriram, e o Trump não detalha as medidas. Tivemos uma piora externa que contaminou totalmente os ativos brasileiros”
Pablo Styer, diretor da Mirae Asset


"Na terça-feira, tivemos uma trégua, mas muito baseada nas expectativas das ações dos bancos centrais e de governos. De fato, essas medidas têm ajudado, mas o temor segue igual”
Marcos Iório, gerente de gestão de investimentos da Integral”